SÚCIA DE CANALHAS
(Esta crônica não é de minha autoria. Uma
das melhores que já li, foi escrita em junho de 1997 pelo jornalista Alberto
Helena Junior, a quem eu peço permissão eletrônica para publicar nos meus
domínios, posto que reflete muito a indignação exarada nos dias de hoje)
Augusto Pellegrini
Era uma vez, há muitos e muitos anos, um
jornalista, panfletário emérito, desses que não conseguem se controlar diante
do cinismo dos poderosos. Todo santo dia molhava sua pena – naquele tempo
usava-se ainda a pena – num pote de fel, e derramava suas diatribes – naquele tempo,
eram diatribes – sobre a folha branca com a fúria dos justos.
Claro que o destempero sem provas, posto
que estas nunca bastam aos olhos cegos da lei, acabaram por levá-lo duas ou
três noites às masmorras – eram tempos de masmorras, então – semana sim, semana
não, por ordem de zeloso juiz.
Enquanto isso, cresciam os desmandos dos
poderosos.
Velho, cansado da luta inglória, já sem
forças para resistir às noites cada vez mais longas no cárcere – sem contar a
reprimenda da mulher, o desprezo das filhas e o abandono dos amigos -, mas
ainda assim com a alma em fogo, nosso herói resolveu dar a tacada final: foi
aos tipos – naquele tempo havia tipos nas oficinas gráficas – e montou a gloriosa
primeira página do seu pasquim. Manchete, em letras garrafais – naquele tempo
eram garrafais as manchetes: CANALHAS! E logo abaixo do pingo da exclamação
escandia o rol de insultos: “Súcia de canalhas, pelintras, ladravazes,
velhacos, safardanas, poltrões...” (traduzindo: canalhas, pilantras, ladrões,
traidores, safados, covardes...) e mais uma centena de adjetivos
desqualificativos. E ponto final.
À noite, quando ainda sorvia as últimas
gotas da vingança do dia, o velho panfletário explicava à intrigada mulher a
valia de ter publicado este vitupério – chamava-se vitupério, nessa época –,
sem dar nome aos bois.
“Eu, eles e o leitor sabemos quem são.
Até o juiz sabe quem são, mas esta noite não pode mandar me prender. Esta
noite, minha velha, enquanto eles remoem as ofensas, durmo o sono dos justos”.
Virou-se de lado e, antes mesmo de
completar seu gesto, seus roncos já ecoavam como os trovões de Zeus.
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