PÁGINAS ESCOLHIDAS
O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
A IRA
Monsieur
Patou entra pela porta da sala, dirige-se à mesa, beija afetuosamente sua Madeleine
na testa e exclama – “o que minha
patinha fez hoje para o almoço?” – ao que Madeleine responde – “sopa de quiabo,
mon chère”.
“Sopa de quiabo!!!” – clama Patou indignado – “mas Joujou, você sabe que eu detesto
sopa de quiabo!” – “mas sopa de quiabo é tão bom…!” – e segue por aí afora uma discussão
sobre as qualidades do quiabo.
Patou se deu por vencido e e sentou-se à mesa sem disfarçar um resmungo – “sopa
de quiabo acompanhado com vinho du Rhône, bah!”.
Mas a primavera estava linda, Patou amava Joujou e dava nota dez para aquela
linguiça cortada em pedaços com os seus maravilhosos temperos, a terrina fumegava,
o relógio da sala batia meio-dia e as nuvens negras do desacordo aos poucos iam
se desvanecendo no ar.
Monsieur Patou dá a primeira colherada, dá a segunda colherada, limpa o canto
da boca com o guardanapo que tem preso ao pescoço e de repente arregala os
olhos.
“Uma mosca!!! Uma mosca na minha sopa!!!”
O pequeno díptero, já morto e com as pernas arreganhadas flutuava nas costas de
uma rodela de tomate, preso à viscosidade do quiabo como se estivesse numa teia
de aranha gelatinosa.
Patou dá um salto pra trás, derramando o prato com a sopa, mosca e demais
pertences sobre o colo engomado de Joujou, que exclama – “Mon Dieu!!” – e ato
contínuo destempera a cabeça de Patou com a garrafa do puro Rhône safra 1982.
Está aberto um diálogo franco, franco em todo os sentidos.
O céu se veste de nuvens negras, a tempestade ruge e sem mais nem porquê espoca
nas ruas uma pancadaria sem precedentes.
(Efeitos de uma
ira repentina sobre o comportamento de velhos casais apaixonados)
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