PÁGINAS ESCOLHIDAS
O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
NASCIMENTO
Já quase percebo uma luz no
fim do túnel, mas pressinto a morte próxima.
Uma terrível tensão se apodera de mim. Quero agarrar-me às paredes mornas e
lisas que me cercam, mas elas se movem e me repelem, e me empurram e me
expulsam da então tranquilidade, prontas para me jogar rumo ao desconhecido.
Esta ruptura parece ser inevitável, embora seja uma tragédia, um quase crime.
Já começo a ouvir sons e rumores estranhos e uma expectativa cercada de agonia
me abraça.
No princípio era o tédio, a imobilidade, a constante escuridão, e eu procurando
saber quem era, o que fazia ali e o que se esperava de mim, feio, encolhido e
surdo.
No princípio era o tédio, agora o sufoco.
Me assusta a ideia do inevitável, de passar para outra esfera, ser rotulado e
numerado e começar uma competição nem sempre justa. Já devo ter vivido essa
outra vida alguma vez, pois algo dentro de mim me faz arrepiar e prever os momentos
terríveis que me esperam, o ódio e a angústia, o medo e a solidão, o opróbio e
e infelicitação, o caos.
Tento lutar até o fim contra esta agressão, esta prepotência, quero continur
vivendo assim como sou, mesmo sendo um verme, um parasita, um inútil – melhor ser
inútil agora do que massa de manobra depois.
Mas percebo cada vez mais clara a luz no fim do tunel, estou me aproximando da
minha próxima morada.
Sinto um mal-estar irreprimível, zonzo, quase cego, e a luz vem cada vez mais
forte enquanto um grito rouco escapa do meu peito, num protesto alucinado.
De repente, já estou fora do meu túnel.
Cores e formas confusas se me apresentam e um frio inesperado, esperado, serve
de advertência de como terei que enfrentar este meu novo destino.
Estou enfim na minha outra vida.
Nasci? (como todos pensam) ou morri? (como me sinto?).
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