PÁGINAS ESCOLHIDAS
Do
livro À NOITE, TODOS OS GATOS (1998)
(Augusto Pellegrini)
O MURO
Sou quase branco, e aqui não
vai preconceito algum, pois poderia ser cor de rosa, azul, laranja ou amarelo
(a alguns metros de distância daqui existe um pintado de amarronzado claro, ou
âmbar, como dizem as latas de tinta).
Tive a sorte de ser recentemente rebocado, pintado e retocado e sou muito bonito,
até porque não recebi nenhum adorno medieval como cacos de vidro, pregos, pontas
de seta sou fieiras de arame farpado, como numa penitenciária.
Originalmente nasci nu e mal acabado, pois o meu criador, por economia ou
descaso, resolveu me rechear com pedaços irregulares de tijolos e usar barro
como argamassa, me deixando com aquela sensação de vazio nas entranhas e com a
dolorosa cor de terra.
Mas agora me sinto muito orgulhoso.
Ouço frequentemente falarem sobre o dono da casa, o dono do jardim, o dono do terreno
e até mesmo o dono da rua, mas jamais alguém mencionou a expressão “o dono do
muro”, apesar que eu ficar no limiar da moradia, defendendo a sua privacidade
com a imponência de um sentinela e ajudando a compor o visual do imóvel com meu
branco virginal.
(Reflexões de um muro num bairro elegante da cidade)
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