PÁGINAS ESCOLHIDAS
Do
livro O BRUXO DE CONCEPCIÓN (2011)
(Augusto Pellegrini)
A MÁSCARA
Meu amigo holandês deu-me uma mascara
de presente.
Van Cljistens – este o seu nome – me assegurou que este tipo de objeto era
usado em cerimônias de benzimentos e bruxarias e que costumava adornar o cadáver
dos feiticeiros dos nativos da Ilha de Pentecost.
A lenda, prosseguiu Van Clistjens no seu sotaque carregado, dizia que com a mascara
atochada no rosto o feiticeiro partiria para uma espécie de paraíso dos bruxos
e de lá continuaria a exercer seus poderes. Nessa altura, o holandês soltou uma
sonora gargalhada, também carregada de sotaque. Eu, prudentemente, me limitei a
sorrir, enquanto espichava os olhos para o estranho objeto que aparentemente dormia
ao lado de uma vela apagada, com os buracos dos olhos voltados para o teto.
Tive, no entanto, a desagradável impressão de que ela estava atenta à nossa
conversa.
Depois de consumirmos mais umas tantas cervejas, alguns cálices de grappa e
meio litro de aguardente de cereja, o batavo se retirou, ereto, embora trôpego,
e eu resolvi dependurar a máscara, uma obra de apurado mau gosto.
Escolhi a parede posterior da sala, de onde ela poderia vigiar a porta e quem sabe
espantar os maus olhados.
Após dependurar a mascara numa operação trepa-destrepa, andei de costas até a
porta para observar o efeito do meu mais novo adorno e parei, boquiaberto: a
cara me piscava com o buraco do olho esquerdo!
Pensei que a cerveja misturada com aguardente de cereja estivesse fazendo
efeito, ou talvez fosse uma ilusão de ótica causada pela trançagem do vime
colorido, ou ainda – não pude deixar de considerar, com um ligeiro arrepio – um
polido cumprimento, uma advertência ou o sinal de que algo estivesse para
acontecer.
(O efeito da aguardente de cereja no recebimento de um
presente tribal)
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