terça-feira, 16 de agosto de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

Do livro O BRUXO DE CONCEPCIÓN (2011)
(Augusto Pellegrini)

 A MÁSCARA

Meu amigo holandês deu-me uma mascara de presente.
Van Cljistens – este o seu nome – me assegurou que este tipo de objeto era usado em cerimônias de benzimentos e bruxarias e que costumava adornar o cadáver dos feiticeiros dos nativos da Ilha de Pentecost.
A lenda, prosseguiu Van Clistjens no seu sotaque carregado, dizia que com a mascara atochada no rosto o feiticeiro partiria para uma espécie de paraíso dos bruxos e de lá continuaria a exercer seus poderes. Nessa altura, o holandês soltou uma sonora gargalhada, também carregada de sotaque. Eu, prudentemente, me limitei a sorrir, enquanto espichava os olhos para o estranho objeto que aparentemente dormia ao lado de uma vela apagada, com os buracos dos olhos voltados para o teto.
Tive, no entanto, a desagradável impressão de que ela estava atenta à nossa conversa.
Depois de consumirmos mais umas tantas cervejas, alguns cálices de grappa e meio litro de aguardente de cereja, o batavo se retirou, ereto, embora trôpego, e eu resolvi dependurar a máscara, uma obra de apurado mau gosto.
Escolhi a parede posterior da sala, de onde ela poderia vigiar a porta e quem sabe espantar os maus olhados.
Após dependurar a mascara numa operação trepa-destrepa, andei de costas até a porta para observar o efeito do meu mais novo adorno e parei, boquiaberto: a cara me piscava com o buraco do olho esquerdo!
Pensei que a cerveja misturada com aguardente de cereja estivesse fazendo efeito, ou talvez fosse uma ilusão de ótica causada pela trançagem do vime colorido, ou ainda – não pude deixar de considerar, com um ligeiro arrepio – um polido cumprimento, uma advertência ou o sinal de que algo estivesse para acontecer.

 

(O efeito da aguardente de cereja no recebimento de um presente tribal) 

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