quinta-feira, 4 de setembro de 2014





O ESTRANHO VOLUNTARIADO ESPORTIVO

(ARTIGO PUBLICADO NO CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 04/09/2014)

Aviso aos interessados: já foram abertas as vagas para voluntários dos XXXI Jogos Olímpicos da Era Moderna, a serem disputados em 2016 no Rio de Janeiro. Não é necessário residir no Rio para participar.
São 70 mil vagas que deverão cobrir várias áreas que vão desde serviços sociais até segurança, conservação e faxina, abrangendo as funções de atendimento público, protocolo e idiomas, serviços de saúde, imprensa e comunicação, apoio operacional, transporte, tecnologia e produção de cerimônia.
O anúncio foi feito na semana passada por Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB – Comitê Olímpico Brasileiro e do Comitê dos Jogos Olímpicos Rio-2016.
Deste total, 45 mil voluntários se destinarão aos Jogos Olímpicos e 25 mil serão deslocados para os Jogos Paraolímpicos, que serão realizados na sequência.
Os inscritos passarão por um processo seletivo, o que parece normal, por conta dos requisitos que um voluntário deste tipo deve ter – conhecimento de idiomas, nível de escolaridade e postura – e passarão depois por um processo de capacitação para que seja avaliado se o candidato pode ser aceito ou não.
Espera-se que cerca de 150 mil pessoas venham preencher o cadastro no site do Comitê Organizador e depois farão fila para enfrentar os selecionadores.
As exigências são semelhantes a quem se candidata a uma vaga de emprego numa multinacional ou para pessoas do nível superior que irão prestar concurso público.
O estranho é que para este voluntariado a quantidade de candidatos excede a expectativa do número de candidatos que se tem para serviços remunerados, e que ao invés de lutar por um salário compensador (como no caso das multinacionais ou dos concursos públicos), eles irão trabalhar de graça.
A Copa do Mundo da Fifa teve mais de 100 mil interessados, e a entidade informa que foram contratados aproximadamente 18 mil voluntários, cerca de 1.500 para cada sede. Ainda de acordo com a Fifa, 7 mil voluntários prestaram serviços na Copa das Confederações, mas o próprio fato de não existir uma relação trabalhista regulada pelo Ministério do Trabalho torna difícil a comprovação dos números.
No entanto, existe alguma contradição nos números fornecidos, pois se fala de 70 mil pessoas para um evento que será realizado em apenas um lugar e que durará 17 dias (mais 12 dias para as Paraolimpíadas), ao passo que para a Copa, que foi realizada em 12 cidades diferentes e durou um mês, a quantidade de voluntários foi quatro vezes menor.
O que deixa o analista confuso, no entanto, não são os números, mas as razões que levam milhares de pessoas a envidarem o maior esforço para trabalharem arduamente sem ganhar um tostão.
Alguns podem ser idealistas, outros podem estar ganhando experiência para investir mais tarde em empregos rendosos, outros ainda podem se sentir encantados por fazer parte de um projeto esportivo tão grandioso. Mas estamos falando de mais de 100 mil pessoas felizes com a possibilidade de trabalhar pra valer absolutamente de graça para um patrão extremamente rico.
O que causa estranheza é que muitos milhões de dólares fazem parte do negócio, envolvendo dinheiro público (cerca de 57%) e privado (43%) – o custo das Olimpíadas já chegou aos 38 bilhões de reais, superando no momento os custos da Copa em mais de 40% – e sabe-se que o lucro para o COI e para o COB é grande e está garantido, embora ninguém revele quanto, assim como o lucro da Fifa e da CBF foram substanciais com relação à Copa do Mundo.
Não pretendo fazer nenhum juízo de valor sobre os motivos que levam os voluntários a trabalhar em troca de um lanche, um boné e uma camiseta, mas é bom lembrar que nem relógio trabalha de graça.

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