A INTERFERÊNCIA DO
ESTADO
(ARTIGO PUBLICADO NO
CADERNO “SUPER ESPORTES” DO JORNAL “O IMPARCIAL” DE 30/10/2014)
Reza
a lenda urbana que uma das razões de o jogo do bicho ser uma atividade organizada
e transparente (embora ilícita) é o fato de ele não ser controlado pelo
governo.
No
jogo do bicho não tem senão: ganhou, levou, sem nenhuma burocracia ou
discussão. Lá não existe nenhum exagero nos controles por que passam todas as transações
financeiras entre cliente, banqueiro e bicheiro, ou seja, o ganhador, o agente
e o pagador do jogo se entendem harmonicamente.
Ninguém
questiona os números premiados, nem mesmo nos sorteios que são obtidos à margem
da loteria convencional.
Reza
também a lenda que o desfile das escolas de samba da Marquês de Sapucaí é uma
das poucas coisas que funcionam com eficiência no Brasil, exatamente porque não
existe a mão do Estado para burocratizar e ditar as regras do jogo.
É
certo que os bicheiros estão presentes tanto num caso (o jogo do bicho) como no
outro, embora não abertamente (a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro), mas
o nosso caso aqui não é fazer a apologia da contravenção, e sim analisar os
estragos que o Estado faz quando tenta administrar os pequenos prazeres
populares.
O
Estado, por exemplo, jamais poderia ser dono de botequim.
Ele
é pesado, lento, engessado, burocratizado, leva tudo ao pé da letra, permite a envolvimento
de muitos intrometidos e via de regra quando tenta resolver um problema, cria
dois.
De
acordo com o depoimento do Seu Antero Viana, fundador do Boi de Leonardo em
1952 (que consta do livro “Memórias de Velhos – Depoimentos – Volume V”, editado
pelo Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho), a ajuda oficial aos
grupos de bumba-meu-boi pela MARATUR prejudicou ao invés de ajudar, pois
modificou a essência da brincadeira. Os locais de apresentação passaram a ser definidos
em função da necessidade de o boi ser visto por uma outra parcela da sociedade
que não aqueles que normalmente acompanhavam os brincantes, o que mudou a sua
estrutura.
Seu
Antero diz que “A MARATUR ajudou a acabar com o auto nas apresentações, e se o
boi não tem auto a brincadeira não tem história”.
Não
vem ao caso explicar o que venha a ser o auto do boi, mas sim esclarecer o
leitor o porquê desta introdução pouco ortodoxa.
Uma
grande parte do jornalismo esportivo está se preparando para pedir à presidente
recém-reeleita que o Estado interfira no esporte a fim de corrigir alguns dos
seus desmandos, como a falta de transparência no manuseio de verbas, a justiça
esportiva sob suspeita e o continuísmo nos mandatos de presidentes de clubes e
federações (que é, estranhamente, mais ou menos o que acontece com o Estado, mesmo
amparado pelas leis!).
A
intervenção do governo no esporte deveria se limitar ao controle do patrocínio
que as empresas estatais injetam em alguns clubes e algumas federações e a
fazer passar no Congresso uma lei que dê aos dirigentes de clubes o mesmo
tratamento dado aos dirigentes das empresas civis, isto é, responsabilidade
fiscal e rigor no pagamento de impostos.
Ah,
dirão alguns, mas se apertarem demais o futebol ele irá à falência, pois mesmo
sem o devido aperto os clubes já enfrentam sérios problemas financeiros!
Ah,
respondo eu, mas se a coisa apertar eles terão que aprender a administrar
melhor os clubes, que são patrimônio do torcedor, e a exercer uma lógica de
mercado com referência aos valores pagos a muitos técnicos e jogadores.
Não
é uma prática saudável o Estado ditar normas em atividades particulares que
deveriam ser administradas pelos seus responsáveis, nem tutelar a sociedade com
coisas secundárias como é o caso do futebol.
Com
tanto abacaxi pra descascar – citem-se inflação, queda da produtividade,
reformas, indústria em baixa, juros altos, saúde pública, segurança, política
externa e investimentos – soaria no mínimo estranho o governo se preocupar em
dar pitaco no calendário, no horário dos jogos e no salário do Luxemburgo.
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