sábado, 6 de fevereiro de 2016







PRIMEIRA LIGA A PERIGO

 
Em quase todos os países do mundo onde se pratica um futebol de competição os torneios e campeonatos são administrados por uma liga que representa os clubes, e não pela confederação nacional, que existe apenas para cuidar dos negócios das suas seleções.
O Brasil é então uma honrosa exceção, posto que a CBF não quer perder o controle da situação – que lhe rende, aliás, além de muita influência política, também uma polpuda soma de dinheiro – e não tem jeito de desocupar a mata.
Historicamente, a CBF mantém o domínio da situação e mantém os clubes na palma da mão, sempre usando da brasileiríssima prática do “toma lá, dá cá”, tratando os presidentes das agremiações de maneira paternalista e aparelhando devidamente toda a máquina do futebol a seu bel prazer.
Para tanto, mantém sob rédea curta o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva e a Comissão de Arbitragem, duas entidades que podem admitir dois pesos e duas medidas dependendo de para onde o vento da CBF soprar.
Mantém também sob controle todas as Federações do país e, por extensão, os presidentes de clubes de todas as divisões nacionais.
Em alguns momentos da história alguns poucos dirigentes tentaram fundar a sua própria liga e trabalhar na organização dos eventos de futebol entre os próprios clubes, mas a falta de união entre os representantes sempre fez naufragar as ideias e a administração continuou concentrada na CBD ou na CBF.
Acomodados com a situação, dirigentes dos clubes se baseiam em exemplos malsucedidos, como a cisão que enfraqueceu a seleção nacional em 1930 e 1934 e a necessidade de ser fazer um torneio alternativo em 2000 – a Copa João Havelange – que criou um impasse na realização do Campeonato Brasileiro. Preferem, portanto, deixar a coisa como está.
O problema gerado em 2000 fez surgir o Clube dos 13, cujo nome oficial é União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro, e que na prática funciona apenas para negociar cotas de patrocínio com as emissoras de televisão. Por causa dessa disfunção, o Clube dos 13 perdeu as características iniciais e não demorou em congregar 20 clubes, que foram escolhidos tendo como base um ranking apresentado pela CBF, o que de per si já é um imenso contrassenso para quem queria ser independente.
Enquanto os clubes parecem ser dirigidos por trapalhões – e só essa possibilidade justifica a penúria por que passa a maioria deles – a CBF é muito rica e dirigida por delinquentes, e isto fica claro considerando a prisão do seu ex-presidente e as investigações em outros dirigentes do mesmo quilate.
Evidentemente algo precisa ser feito para dar qualidade, credibilidade e conforto financeiro para os clubes brasileiros que disputam alguns dos mais importantes torneios do mundo. A fundação de uma liga sólida, bem dirigida e isenta pode ser um bom começo. 
Assim surgiu a Primeira Liga, uma rebelião encabeçada pelo Coritiba que contou com a adesão do Atlético Paranaense e de alguns clubes do Rio, Minas, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, começando com a disputa da Copa Sul-Minas-Rio entre 27 de janeiro e 31 de março deste ano.
O torneio começou cheio de gás, mas não se sabe se irá terminar.
A Primeira Liga foi considerada irregular pela CBF por invadir as datas do seu calendário a partir de fevereiro. A CBF diz tratar os jogos até aqui realizados como simples amistosos e ameaça recorrer à Fifa caso os clubes fundadores da liga resolvam ir adiante, prometendo punições seríssimas se eles insistirem no assunto.
A Confederação aceita a ideia de uma liga independente gerir torneios independentes, mas prefere que isto aconteça a partir de 2017, pois acha que o assunto foi tratado de forma intempestiva e que merece um estudo mais aprofundado, inclusive no que diz respeito às taxas de arbitragem, taxas de administração dos estádios onde ocorrerem as partidas, taxas disso, taxas daquilo e a importante cerimônia do beija-mão.
Em outras palavras, a CBF quer uma liga autônoma que conte com o seu consentimento.
Está mesmo na hora de os clubes formarem uma liga para gerir seus próprios destinos, mas o assunto é complexo e na realidade merece um estudo mais detalhado para que uma cisão abrupta não venha a entornar de vez o caldo já ralo e sem sabor em que está se transformando o futebol tupiniquim.
                                                                                                   
 (Artigo publicado no caderno SuperEsportes do jornal O Imparcial de 05/02//2016)
 

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