Pequeno excerto
tirado do conto “Impressões Colhidas no Inferno”, que consta do meu livro
intitulado “Coisas”, publicado em 1988, muito oportuno para ser lido em uma
Semana Santa:
IMPRESSÕES COLHIDAS NO
INFERNO
Tudo é
incompreensível como um criptograma, é ilógico como um paradoxo, é anômalo como
um eunuco.
As tampas das panelas tremiam sob o vapor bem cheirante, o domingo de Páscoa estava claro e cheio de sol, os pássaros voavam fora das gaiolas, o gato se escondia sob um telheiro de zinco e a luz filtrava pelos buracos dos pregos; as plantas balançavam e contrabalançavam na brisa e os vizinhos riam com gosto de álcool numa libação pascoalina familiar, um velório sem respeito neste domingo santo.
Na sexta-feira todos cantavam tristezas atrás do andor e se persignavam diante do altar, mecanicamente como um cuco na hora certa, e todos beijavam os pés de gesso do Cristo morto, assassinado por eles próprios; agora, todos matam novamente o seu Salvador com hipocrisia e farisaísmo, todos são piedosos dentro das suas conveniências, esmigalhariam homens e crianças como quem amassa um inseto, arrebentariam suas cabeças e cuspiriam em cima dos cadáveres dilacerados, mas sempre com os olhos meigos voltados para o sacrário, sempre com os lábios balbuciando preces que nunca entenderam, certos que Ele lhes estende os braços os chamando para o Seu lado.
Tratantes!
No domingo há o morticínio geral, facas e asfixias numa sucessão contínua – animais são abatidos aos milhões e a inveja vai matando os homens na orgia das orgias, na eliminação das espécies vivas, e aí então ninguém mais se lembra dos sofrimentos que Ele sofreu nem do sangue que Ele derramou aos borbotões, apenas estão alegres porque Ele ressuscitou, embora nem passe pelas suas cabeças que ressuscitar significa morrer primeiro – isto é ou não um contrassenso?
Os piedosos sapateiam na lápide. O ruído eu ouço daqui.
As tampas das panelas tremiam sob o vapor bem cheirante, o domingo de Páscoa estava claro e cheio de sol, os pássaros voavam fora das gaiolas, o gato se escondia sob um telheiro de zinco e a luz filtrava pelos buracos dos pregos; as plantas balançavam e contrabalançavam na brisa e os vizinhos riam com gosto de álcool numa libação pascoalina familiar, um velório sem respeito neste domingo santo.
Na sexta-feira todos cantavam tristezas atrás do andor e se persignavam diante do altar, mecanicamente como um cuco na hora certa, e todos beijavam os pés de gesso do Cristo morto, assassinado por eles próprios; agora, todos matam novamente o seu Salvador com hipocrisia e farisaísmo, todos são piedosos dentro das suas conveniências, esmigalhariam homens e crianças como quem amassa um inseto, arrebentariam suas cabeças e cuspiriam em cima dos cadáveres dilacerados, mas sempre com os olhos meigos voltados para o sacrário, sempre com os lábios balbuciando preces que nunca entenderam, certos que Ele lhes estende os braços os chamando para o Seu lado.
Tratantes!
No domingo há o morticínio geral, facas e asfixias numa sucessão contínua – animais são abatidos aos milhões e a inveja vai matando os homens na orgia das orgias, na eliminação das espécies vivas, e aí então ninguém mais se lembra dos sofrimentos que Ele sofreu nem do sangue que Ele derramou aos borbotões, apenas estão alegres porque Ele ressuscitou, embora nem passe pelas suas cabeças que ressuscitar significa morrer primeiro – isto é ou não um contrassenso?
Os piedosos sapateiam na lápide. O ruído eu ouço daqui.
Augusto
Pellegrini
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