quarta-feira, 13 de abril de 2016



Artigo publicado no Acervum - Suplemento Nacional de Literatura e Arte de  10 de abril de 2016. Acesse o limk www.acervum.com.br para ler esta e outras publicações.




POESIA & JAZZ
Augusto Pellegrini
Edgar Allan Poe, grande escritor e poeta americano do século 19, é autor de uma citação que diz “a poesia é a criação rítmica da beleza em palavras”.
Existe, na verdade, uma profunda alquimia entre os versos – e a prosa – de Poe com a música impressionista, o que tem possibilitado a muitos músicos a apresentação pública das ideias do escritor sob o ponto de vista rítmico e harmônico.
Alguns poemas de Poe se transformaram em obras musicais ou sugeriram criações musicais através de leituras e adaptações feitas por músicos como Dominick Argento (na ópera “The Voyage of Edgar Allan Poe”); a banda alemã Coppelius (no rock-metal “Murders in the Rue Morgue”); o grupo The Beatles (no pop-sinfônico “I’m The Walrous” – onde eles cantam “Man, you should have seen them kicking Edgar Allan Poe”); a banda Creature Feature (no pulp-terror-rock “Buried Alive” – com palavras como  As I walk the valley of unrest behind this mask of crimson death”); e o compositor Claude Debussy (no erudito “The House of Usher”), entre dezenas de outros, embora nenhum deles tivesse transformado Poe em jazz.
Talvez Ornette Coleman, Sun Ra e alguns outros  tenham feito isso de forma inconsciente com o seu jazz profundamente inovador, que ia além do chamado free-jazz e continha todos os ingredientes que fugiam da normalidade do cotidiano, abrangendo a para-normalidade, o mistério e o esoterismo.
Analisando a frase inicial de Poe mencionada neste artigo e procurando vê-la sob um ângulo musical, percebe-se muita semelhança de filosofia entre uma obra poética e uma composição jazzística. Para tanto, basta mudar o contexto para “o jazz é a criação rítmica da beleza em sons musicais”.
A utilização das palavras, dando-lhes o ritmo e a cadência necessários para manter o clima crescente de envolvimento do leitor, tem como eco a transposição de notas musicais secas, acordes convencionais e um beat contínuo da poesia-jazz sem brilho – semelhante a uma marcha de soldados bem ensaiada – para alterações sonoras significativas, usando acordes dissonantes e um beat invertido, como a batida de um coração emocionado, tudo sujeito a modificações constantes, como a passagem de um verso ou de um capítulo de Poe (ou uma sequência harmônica de Coltrane) para outro.
Num e noutro caso, o tema é explorado com perfeição, levando o leitor ou o ouvinte a se integrar na atmosfera proposta pelo escritor ou pelo intérprete, seja ela de leveza, de romance, de alegria e também de introspecção (como nos casos de Poe e outros autores que exploram o mistério e o macabro ou de Coleman e outros que seguem o irreal e o desconhecido). 
Na literatura, seja Poe e seus seguidores, sejam autores de estilos diversos, a gente muda de página, mas as emoções da página anterior devem permanecer para que a mente do leitor continue integrada na mensagem ou na intenção do escritor.
O mesmo acontece com o jazz e seus diferentes estilos.
Seja jazz tradicional, swing, qualquer tipo de bop ou jazz contemporâneo, o jazzista, nas mãos do intérprete, também mantém em suspenso uma profusão de notas e de acordes que funciona como uma ligação direta entre a sua emoção e a emoção do ouvinte.
Usei Edgar Allan Poe como exemplo de poeta e escritor, e como consequência Ornette Coleman, Sun Ra e John Coltrane como exemplo de interpretação jazzista, para mostrar como as coisas caminham juntas no mundo da arte. O mesmo raciocínio vale para todos os outros escritores e poetas e todos os outros músicos e jazzistas que não foram mencionados.
Fazer arte – literatura, música, ou outro tipo de comunicação criativa – só tem sentido quando a nossa obra encontra eco nas pessoas que participam como leitores, ouvintes ou seguidores do nosso trabalho.

 

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