A MORTE DO CHEFÃO
A morte do poderoso chefão do futebol
João Havelange aos 100 anos de idade não chegou a ser nenhuma surpresa, pela
obviedade do tempo.
João – na verdade Jean-Marie Faustin
Goedefroid de Havelange – dividia opiniões. Para alguns, era um exemplo de
dirigente esportivo, para outros, um exemplo a não ser seguido.
A
importância de Havelange pode ser medida por uma pesquisa feita pelo COI –
Comitê Olímpico Internacional, que o aclamou como um dos três “dirigentes do
século 20” ao lado do Barão de Coubertin, fundador do COI e idealizador dos
Jogos Olímpicos da Era Moderna, e de Juan Antonio Samaranch, ex-presidente do
COI.
Havelange ajudou a alavancar o futebol
brasileiro (durante a sua gestão o Brasil conquistou os três primeiros títulos
mundiais) e pode-se dizer que se tivéssemos um Havelange hoje no comando talvez
as coisas estivessem diferentes. Pesa sobre ele, no entanto, graves denúncias
de improbidade administrativa, que se tornaram mais e mais fortes a partir da
sua eleição para a presidência da Fifa em 1974 e forçaram a sua retirada pela
porta do fundo quarenta anos depois, ameaçado que estava de sofrer um
desgastante processo aos 95 anos de idade.
Em agosto de 1997, portanto há exatos 19
anos, eu escrevi um artigo rascunhando os traços da personalidade desse homem,
desenhados, a priori, através de informações colhidas à distância, o qual comento
hoje com os devidos retoques da atualização.
Havelange estava “escondido” na Europa
havia duas décadas quando, numa das inúmeras tentativas das bem-sucedidas
reeleições de Ricardo Teixeira na CBF, ele veio ao Brasil para com o seu
prestígio tentar alavancar a simpatia do seu (na época) genro. E Havelange
acabou em São Luís ,
onde convidou todos os cartolas grandes e pequenos (eu era apenas um cartolinha
que presidia a pequena Sociedade Esportiva Tupan) para um concorrido jantar no
então Hotel Vila Rica.
Ao conhecê-lo pessoalmente compreendi
porque o mundo o reverenciava tanto. Muito alto, forte, sisudo, voz de trovão,
expressão severa, olhar penetrante, ele encarnava como ninguém a figura do
chefão – temido, respeitado e jamais contrariado.
Carioca com nome e sotaque francês e
porte de viking, ele era um homem com feições de pedra, sempre exibindo uma cara
de poucos amigos, embora afável e cavalheiresco na intimidade, desde que não
lhe pisassem os calos.
Aquele foi um desses famosos jantares
onde todo mundo se farta do melhor vinho e do melhor uísque e das melhores
iguarias, um desses famosos jantares que ninguém paga, mas alguém paga (sempre
paga, pelo preço da sedução).
São aqueles jantares onde os convidados
são convocados para prestar uma homenagem a alguém e acabam se comprometendo,
mesmo sem se comprometer, a concordar com alguma coisa debaixo dos panos com a
qual discordamos, no caso o apoio do Maranhão na reeleição de Teixeira.
Durante o jantar eu troquei umas poucas
palavras com doutor Havelange, que agradeceu a minha presença com muita
deferência e deu a entender que aquele ágape poderia significar a ressurreição
do futebol maranhense, hoje reduzido a dois times na Série C e D.
Na época, na qualidade de presidente da
Fifa, o melífluo Havelange mostrava o seu lado fanfarrão, ao ameaçar a exclusão
do Brasil da Copa da França caso o presidente FHC e o Congresso Nacional viessem
a aprovar os ditames da Lei Pelé, que sugeria a desvinculação da arbitragem das
federações, propunha a transformação dos clubes em empresas, regulamentava a
lei do passe, responsabilizava civil e criminalmente os atos dos dirigentes e
estabelecia outras medidas que poderiam ter ajudado no bom andamento do esporte
mas punha em risco a impunidade de alguns apaniguados.
Tratava-se de uma picuinha pessoal de
Havelange contra Pelé iniciada em 1983, quando o ex-atleta afirmara que havia
corrupção na CBF dirigida por Ricardo Teixeira, o que de certa forma foi
confirmado mais tarde com as denúncias que foram surgindo.
Havelange não estava procedendo como um
estadista, que é o que se esperava do presidente de uma entidade que congrega
tantos países. Ele estava procedendo como um ressentido comum que busca
simplesmente atingir um desafeto de qualquer forma, sem atentar sequer para o
desatino que está cometendo.
No fim, na luta de Dom Quixote contra os
moinhos, o cavaleiro venceu, pois de todos os pontos apenas a regulamentação da
lei do passe foi aprovada, o que abriu a brecha para o surgimento dos
malfadados agentes e empresários, mas isso já é uma outra história.
(Artigo publicado no caderno de Esportes do
jornal O Imparcial de 19/08/2016)
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