domingo, 30 de outubro de 2016





A LEI, ORA, A LEI

Tenho muitos amigos advogados, outros tantos amigos juízes, e também promotores e professores de direito, e com certeza serei alertado para alguma incorreção que estarei incorrendo. Aceitarei de bom grado qualquer esclarecimento que me seja prestado a fim de clarear as minhas ideias e corrigir o meu rumo, posto que não sou um especialista no assunto.
Mas, por não ser especialista no assunto, falo a língua do cidadão que assim como eu se pergunta o motivo para tanto desrespeito às leis.
Falta de educação, dirão alguns. Falta de noções de ética, dirão outros. Faz parte da nossa cultura, retrucarão terceiros. Falta orientação familiar e escolar, concluirão os mais precavidos.
Qualquer que seja porém o motivo, a gente fica com a sensação de que faltam na verdade autoridade e responsabilidade em se fazer cumprir a lei num país onde as leis não são levadas a sério por aqueles que cuidam das leis e muito menos por quem as descumpre.
Existem 181 mil leis na Constituição brasileira que foram redigidas para serem cumpridas, mas muitas delas, quer por absoluta inobservância ou impunidade, quer por total falta de coerência, quer pelas centenas de brechas que oferecem para o jurista arguto ou quer pela natureza da infração e do infrator, passam batidas e oferecem pouco risco a quem atenta contra elas.
A Constituição atual data de 1988 e foi escrita debaixo de uma necessidade premente de fazer retornar aos cidadãos os direitos que haviam desaparecido por causa de um estado de exceção que durou vinte anos. É, portanto, na velocidade imprimida na História do Brasil nos últimos vinte e oito anos, uma Carta Magna desatualizada.
Por causa disso, ela acabou sendo justa e correta para a época em que foi feita, mas foi se tornando leniente e defasada com o passar do tempo.
Este é o problema de uma Constituição com excesso de leis, artigos e parágrafos: quis ser muito precisa e detalhada e acabou sujeita a diferentes interpretações. Uma Constituição enxuta, com leis em que prevalecessem o bom senso e uma forte noção de direito talvez oferecesse ao cidadão mais segurança e menos incertezas.
Mas, a que vem tudo isso, pergunta o leitor acostumado a ler críticas sobre a convocação da seleção, o gol indevidamente anulado, os problemas do futebol brasileiro e uma ou outra incursão no passado de algum ídolo do esporte?
É que, mais uma vez tivemos que assistir a cenas deploráveis de torcedores e policiais se espancando numa tarde festiva em plena reabertura do Maracanã, num clássico entre os clubes de maior torcida do Brasil.
Diz a música de Francis Hime “Maracanã da festa popular, domingo é lá que a poesia vai rolar”, mas o que rolou foi muita pancada.
Depois da borracha cantar e da calmaria voltar, 42 torcedores corintianos foram presos (desta vez os rubro-negros não brigaram com ninguém) e levados para a delegacia para averiguação e confrontação das fichas policiais. Deles, 11 foram liberados e 31 conduzidos preventivamente ao presídio de Bangu.
Poderia jurar que alguns deles são os mesmos da morte do menino em Oruro, são os mesmos do quebra-quebra no Metrô de São Paulo, são os mesmos de outras tantas confusões permeadas por extrema violência. Ou então, se os baderneiros forem outros, é sinal que o mau exemplo está se propagando assustadoramente por falta de providências mais enérgicas.
Os briguentos foram fichados e serão fatalmente liberados, e o STJD (para ficarmos apenas no âmbito esportivo) simplesmente emitiu uma declaração lacônica proibindo a presença deles nos jogos do Corinthians até o final do Campeonato Brasileiro e – mais uma vez – banindo a torcida organizada Gaviões da Fiel dos estádios de futebol.
Só não diz como esta sentença será operacionalizada.
A Inglaterra padecia do mesmo mal, mas hoje não se notam resquícios de violência nos estádios porque as penalidades, principalmente para um torcedor apaixonado, são rigorosas. Lá, torcedores são banidos dos estádios por infrações bem menos graves do que esta do último domingo no Maracanã.
-0-
Vejam só, eu deveria estar prestando uma homenagem a Carlos Alberto Torres, um dos maiores jogadores do futebol brasileiro, ídolo do Fluminense, do Santos, do Botafogo, do Flamengo e da Seleção Brasileira, morto nesta última terça-feira, e estou gastando meu português com três dúzias de delinquentes que não valem uma clicada.     



 (Artigo publicado no caderno de esportes do jornal O Imparcial de 28/10/2016)


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