O Choro Negro de Paulinho
Sempre achei o
choro-canção “Choro Negro”, de autoria de Paulinho da Viola, uma obra prima do
cancioneiro brasileiro. A melodia e a harmonia possuem aquilo que se chama de
pureza estética, e a sua beleza comovente me obrigou a procurar por todas as
suas gravações para afinal concluir que as gravações desta música são poucas e
que a letra era inexistente.
Conversa vai,
pesquisa vem, ao ouvir uma declaração de Sérgio Cabral, descobri que Paulinho pertence
à longa linhagem de chorões que consideram que o verdadeiro choro deve ser exclusivamente
instrumental.
Sérgio Cabral
teria ido à casa de Paulinho com uma letra feita para um choro composto por ele
– ele, Paulinho – e antes de mostrar a preciosidade ouviu uma peroração a
respeito da falta de sensibilidade de alguns compositores que insistem em
colocar palavras nas notas plangentes de um choro-canção, também referido como
valsa-choro ou varandão.
“Isto é um
crime”, – continuou Paulinho – “é o mesmo que você colocar letra numa valsa de
Chopin!”
Cabral depressa
mudou de assunto sem sequer tê-lo iniciado, deixou a sua poesia jazer
desanimada no bolso traseiro da calça, conduzindo a conversa por outras praias
menos dolorosas, e desta forma aprendeu a lição.
Há alguns anos –
em 2008, precisamente - insensível às lamentações de Sérgio Cabral, eu resolvi escrever
uma letra para o samba-choro de Paulinho, totalmente à sua revelia.
Bem, não
exatamente à sua revelia, porque usei todas as formas de comunicação possíveis
na época, incluindo mensagem eletrônica e telefonemas à procura do seu agente,
para pedir sua permissão a fim de que eu pudesse escrever uma letra que se
adequasse ao clima da música.
Como não obtive
resposta fui em frente e compus a letra da música, a qual transcrevo abaixo na
esperança que os músicos maranhenses da MPB possam eventualmente incluí-la no
seu repertório nas nossas tertúlias musicais.
O tema versa
sobre um artista que se prepara para adentrar o palco e enfrentar o público.
Ele faz isso diariamente, mas o sentimento de emoção, medo e insegurança é
sempre o mesmo.
Podem cantar, se
por acaso o Paulinho reclamar, eu resolvo.
Obs: eu canto esta
música em si bemol.
CHORO NEGRO
Há quanto tempo
Este momento eu esperei
Mas gostaria de fugir
E o porquê não sei
O camarim guarda o silêncio
Que antecede o show
Lá fora vozes sussurrando
Sob a luz em meio tom
Olho no espelho
Que reflete o que há em mim
Eu gostaria de sentir
Felicidade, enfim
Escolho a face que usarei
Para enfrentar
Esta plateia colorida
Que me assusta e faz chorar
Na solidão deste monólogo cruel
Sinto na boca um gosto fel
E o coração parece então acelerar
Sigo em silêncio
Em direção ao meu destino
Caminho ao som de um violino
Que me empurra para o palco
E as cortinas de veludo
Ao descerrarem mostram tudo
Rosas vermelhas no cenário
E aplausos quentes como a luz
A emoção me faz chorar
Um choro negro
Que faz parte deste enredo
Que fascina e me seduz
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