sábado, 15 de outubro de 2016





SOB NOVA DIREÇÃO

Quando comecei a escrever este artigo, imediatamente após o término da partida contra a Venezuela que marcou a quarta vitória consecutiva da seleção brasileira sob o comando de Tite, pensei em dar-lhe o título de “Da água para o vinho”, enfatizando a diferença marcante entre o seu desempenho atual e aquele arremedo de futebol praticado pela equipe de Dunga.
No entanto, resolvi por chamá-lo de “Sob nova direção”, um pouco mais contido, por ser o indicador de que o torcedor brasileiro está feliz e confiante com a mudança do comando técnico, da mesma forma com a qual um cliente reage quando um restaurante que andava mal das pernas – e dos sabores – muda de chef, de cardápio e de administração.
A mudança da água para o vinho, diferentemente do milagre operado por Jesus Cristo nas bodas de Canaã, deverá ser sentida gradativamente durante as Eliminatórias na qual ainda teremos pela frente Argentina, Uruguai, Colômbia e outros menos qualificados.
Afinal, não basta mudar de água para vinho, tem que ser vinho de qualidade!
Ganhar de Bolívia e Venezuela não tem o sabor que o degustador aprecia. Mas ganhar jogando bem – muito bem contra a Bolívia e mais ou menos bem contra a Venezuela – sempre ajuda na autoestima e na soma dos pontos fundamentais para nos conduzir à Rússia em 2018.
O devastador toque de bola contra os bolivianos não foi visto na partida contra a Venezuela, e não me parece que a ausência de Neymar tenha algo a ver com isso. Os venezuelanos, com toda a sua limitação, se defenderam melhor, cobriram os espaços com mais propriedade e dificultaram as coisas para os brasileiros. A prova disso é que o primeiro gol aconteceu logo no início, após uma pixotada grotesca do goleiro venezuelano aproveitada com primor por Gabriel Jesus, e o segundo quase no fim, após um chute improvável e muito feliz do atacante Willian.
É claro que deve ser ressaltado o fato de que em tão pouco tempo, nas mãos de um técnico mais competente, o grupo de jogadores – praticamente os mesmos que atuavam na seleção carrancuda de Dunga – conseguir apresentar um futebol com a cara do Brasil que queremos ver.
O futebol da seleção nesta ainda curta mas promissora era Tite vem mostrando uma variedade de detalhes com os quais já nos havíamos desacostumado, como triangulações, deslocamentos, jogadores procurando o vazio para receber a bola em melhores condições, lançamentos mais precisos, volantes mais técnicos e uma defesa segura que sofreu apenas um gol em quatro partidas, mesmo assim um gol contra do zagueiro Marquinhos. Foram doze gols marcados em quatro apresentações, uma prova de que os jogadores voltaram a acreditar no seu próprio potencial.
A agenda de procedimentos de Tite inclui diálogo franco e honesto com os jogadores e com a imprensa, uma interlocução não subserviente com a CBF, técnicas modernas de treinamento e um prudente distanciamento de agentes e empresários.
O fato mais positivo da gestão Tite é que ele conseguiu devolver a confiança ao jogador e ao torcedor, além de mostrar para o mundo o futebol brasileiro que o mundo estava acostumado a ver no século passado.
Chegar ao primeiro lugar nas Eliminatórias da Copa depois de quatro jogos não era nenhuma obrigação, pois o objetivo ainda é a classificação pura e simples para a Copa de 2018. Mas depois de quatro jogos o Brasil chegou lá, e dá mostras que aquelas nuvens negras que toldavam o nosso céu azul de anil foram embora junto com a antiga comissão técnica de tão má lembrança.
O Brasil está disputando um futebol mais leve, mais técnico e envolvente, sem deixar de lado os toques de efeito típicos do futebolista nativo, e os jogadores se viram finalmente livres de implicâncias e ressentimentos por parte da comissão técnica anterior e sabem que a sua convocação e eventual escalação obedecerá apenas a critérios exclusivamente técnicos, sem ranços nem rancor.
Todas as seleções ainda terão de cumprir nove partidas pelo torneio que classificará diretamente os quatro primeiros países classificados e oferecerá uma repescagem intercontinental para o quinto colocado.
Os próximos adversários do Brasil serão a Argentina, que passa por uma crise técnica, e o Peru, que tradicionalmente não nos dá muito trabalho. Se continuar trabalhando com a mesma objetividade das últimas quatro partidas o Brasil tem tudo para carimbar o passaporte para Moscou nos oferecendo um vinho de ótima qualidade. 

  


 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 14/10/2016)






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