quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Na impossibilidade de conseguir um editor para publicar o meu novo livro de contos, vou continuar publicando as histórias em capítulos no Facebook e no blog www.augustopellegrini.blogspot.com.br. Se algum dia surgir um editor, os contos serão devidamente ordenados.  




O ATOR

(PRIMEIRA PARTE – ABERTURA)

Estou novamente desempregado.
Como o leitmotiv da minha vida sempre foi o palco, não sei se atribuo esta infelicidade à força do destino, como dramatizado por Giuseppe Verdi, ou à força das circunstâncias, coisa que pode acontecer com qualquer mortal envolvido nas farsas do dia-a-dia.
No momento, sou mais um personagem da vida real à procura de uma persona no palco, saudoso do camarim que guarda aquele silêncio que antecede o espetáculo e daquele calafrio que antecede a entrada triunfante em cena.
Tenho parte da culpa neste destino por enquanto inglório, mas na verdade me considero mais uma vítima do enredo, que foi tramado à minha revelia.
A história que ora reproduzo poderá algum dia, se escrita pelas mãos hábeis de um roteirista, se transformar numa épica obra shakespeariana, tal é a natureza das personalidades envolvidas, o drama e a ironia contidos na trama, o ranço operístico e a mensagem bufa.
Essa história começa com o lirismo de uma poesia e termina com a tragédia dos grandes épicos.

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Assim foi desde o princípio, e parece que assim será per omnia saecula, saeculorum, amém: os momentos que antecedem a entrada ao palco são de extrema tensão, de intensa agonia, de uma expectativa doentia, de uma sensação febril.
Agora sei como se sentiam os prisioneiros de Auschwitz-Birkenau quando chegava a hora de adentrar a câmara de gás, uma alternativa indolor – ainda que não inodora – de cumprir com a derradeira tarefa mundana antes de alcançar a vida eterna.
E olhem que muitos deles não tinham consciência do que estavam fazendo, ao contrário de mim. Eu sei a hora de entrar e a hora de sair de cena – eles não sabiam a hora de entrar e só saíam de lá mortos e com os pulmões intoxicados de cianureto, mas pelo menos não tinham que enfrentar o julgamento dos carrascos da plateia.
Como Edwin Booth, eu sinto o coração oprimido quando enfrento o olhar inquisitivo do público que se refestela nas cadeiras a cinco metros de mim, e não duvido que o mesmo tenha ocorrido com Sir Lawrence Olivier com toda a sua arrogância, ou com Sarah Bernhardt com toda a sua aura cativante. Ou com Gassman, algum dia.

Mas Booth, Olivier & Cia. não tinham os problemas que eu tinha – eles eram os astros principais, não um mero coadjuvante, como eu – nem tinham que aturar Timóteo, não o da Bíblia, mas aquele intragável diretor que só tinha palavras idiotas na ponta da língua.

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