O
ATOR
(SEGUNDA
PARTE - ÁRIA)
Timóteo
se transformou em diretor teatral porque nunca conseguiu ser ator nem teve a
coragem de ser crítico. Por isso sempre tratou com desdém tanto os atores como
os críticos, e somente conseguiu encarnar esta nobre função de diretor, e
apenas naquele teatro – vejam bem – por ser o genro do dono, outro estafermo
que se dizia empresário teatral, mas não sabia distinguir entre teatro e circo.
Benito,
o dono, se autoproclamava “empresário
teatral Benito Rubaloca” – dizem que espanhol – e costumava divulgar as
suas produções com toda força nas páginas de cultura dos diários e semanários
locais.
Rubaloca
sentia uma rútila alegria quando via o seu nome estampado nas páginas dos
periódicos, e costumava dizer que seu sonho era ser eternizado no Diário de
Notícias.
Na
época que ora relato ele anunciava com grande estardalhaço – “Produções Rubaloca apresenta O Defunto
Virgem, um clássico da dramaturgia”, que era ambientado numa
fazenda americana do fim do século 19 e exibido no Teatro Aliança, um prédio
reformado que mantinha a aparência e a arquitetura do cinema que fora, sessenta
anos atrás.
Como
parte do elenco estava sua atriz predileta, Dorotéa Vaughan – nascida Maria dos
Anjos Silva – que se considerava uma musa, embora no fundo não passasse de uma
canastrona mal-acabada.
Bonita
ela não era, embora tivesse um certo porte, pois sua altura tinha o tamanho exato
do seu convencimento e, apesar da pouca idade, pois ainda não chegara à casa
dos trinta, utilizava uma maquiagem exagerada que a tornava semelhante a uma
boneca japonesa de porcelana.
Todos
na companhia sabiam que certas coisas proibidas estavam acontecendo entre os
dois, meio às escondidas e meio às escancaras, mas sabiamente de eximiam de qualquer
comentário. Essas “coisas proibidas” justificavam a preferência do tolo Benito
pela frívola prima-dona, que era sempre elencada como atriz principal da
companhia, independentemente do gênero levado em cartaz.
No
palco, Dorotéa exagerava nos gestos e na impostação como se um texto de Molière
tivesse sido escrito por Sófocles, emitindo agudos vocais tão estridentes e
desagradáveis que sua voz soava como um sistema de som com microfonia, apesar
de todas as nossas apresentações serem acústicas.
Não
sei do timbre da sua voz no silêncio do particular, mas deveria ser do agrado
do velho Rubaloca, que por ser o sátiro sem princípios que era não dava muita
importância para princípios de fonoaudiologia, preferindo dar atenção a outros
atributos mais palpáveis.
Na
peça, Dorotéa desempenhava o papel da mulher de um fazendeiro, a quem trai com um
vendedor de escovas do condado, num drama fetichista de difícil compreensão
para o público, segundo teorizava o autor, um desconhecido à procura de uma
plateia, chamado Eraldo Montalvão.
Felizmente
meu papel nesta peça – eu representava Pavel, a voz da consciência do vendedor
de escovas – se resumia a um monólogo de três minutos, que apesar de exigir um
forte vigor histriônico, pelo menos me reservava ao direto de ser histriônico
sozinho, sem a má companhia da Dorotéa.
Minha
entrada se dava no fim do primeiro ato, quase um entreato, e sua importância na
história era ligar o passado e o presente. Eu não era um personagem, mas um
pensamento, quase um fantasma, que servia para lembrar aos circunstantes a
filosófica existência das causas sobre os efeitos.
Minha
atuação se fazia sem a liturgia do drama e sem a emoção dos grandes espetáculos.
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