O FANTASMA DA FM
(Conto publicado em 1992 no livro “O
Fantasma da FM”)
(Parte 2)
Todas
as madrugadas ele vasculha as salas vazias e os móveis abandonados à procura de
Adalgisa, da voz de Adalgisa, do encanto de Adalgisa.
Ele
deixa em seu caminho sem matéria as plantas agitadas, o vidro estremecido, o
porteiro cheio de cismas e as escadas ainda mais frias, enquanto esbarra na
cortina que balança sem motivo e deixa entrar pela janela uma fresta de luar.
Ainda
outro dia a energia faltou e o porteiro teve que colocar três ou quatro velas
acesas pelo corredor, enquanto Adalgisa desligava os botões do painel de áudio
e ia se esconder na recepção, mas ele não a viu, e na sua passagem em direção
ao estúdio não passou de um halo invisível a perturbar a luz bruxuleante das
velas, que se agitou como alma penada.
Aristides
conjeturando que (como pode?) as velas pudessem apagar sem vento e sem corrente
de ar e que a cortina se entreabrisse para deixar a luz da lua penetrar muito
intensa, como um raio prateado, iluminando uma sombra branca que se apoiava na
porta como se estivesse olhando para dentro do estúdio deserto de vida, deserto
de luz e deserto de som.
Aí
um frio lhe passou pela espinha dorsal como o aço de um punhal e as pernas
tremeram, o suor porejou a fronte e o calor repentino veio justificar a
ausência momentânea do ar condicionado central, os joelhos fraquejaram e a mão,
que empunhava uma lanterna a pilha ajustou a direção para que o facho de luz
coriscasse sobre aquele vulto com formato de gente que se perfilava junto à
porta como uma sentinela, mas encontrou apenas o batente nu e a maçaneta em
repouso.
Lá
embaixo o telefone toca, estridente – maldição! – e o farolete quase lhe cai da
mão, o coração quase lhe sai pela boca enquanto ouve a voz de Adalgisa atender
– “alô!”.
Aristides
desceu as escadas de dois em dois saltos, se arriscando a rolar pelos degraus
abaixo e quebrar o pescoço, e não percebeu que alguma coisa também descia ao
seu lado, deslizando como um fluido, para cruzar a recepção e retornar ao
jardim onde as plantas o aguardavam, enfurecidas.
A
energia é restabelecida e a iluminação voltou. Adalgisa se apressa em subir a
escada para recolocar a emissora no ar.
Aristides
se afunda na sua cadeira e fica pensativo, tamborilando os dedos na mesa vazia,
o telefone fora do gancho para evitar um novo susto e a camisa empapada de
suor.
Lá
fora, as plantas se alvoroçam, enfurecidas.
SEGUE
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