COMO NASCEM AS CANÇÕES
(Parte 4)
(Artigo escrito para a página da
Academia Poética Brasileira – https//www.facebook/com/academiapoetica/. Este
site é uma publicação da Academia Poética Brasileira, da qual sou membro)
A bossa nova logo
se desentendeu consigo mesma graças a uma corrente que contestava o seu lado
burguês. Para eles, a poesia bossanovista se fixava apenas nas belezas do Rio e
deixava de lado antigas queixas sobre a qualidade de vida do carioca menos
privilegiado.
Uma ala
dissidente procurava buscar como fonte de inspiração o lado B da cidade – o morro,
a favela e a pobreza – um movimento interessante que acabou valorizando músicos
e compositores de outras vertentes, como Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho e
João do Vale, agregando-os à juventude intelectual progressista que frequentava
o local – Carlos Lyra, Edu Lobo, Baden Powell, Oduvaldo Vianna Filho, Ruy
Guerra, Nelson Lins e Barros, Dori Caymmi, Sérgio Ricardo.
O movimento
também descentralizava o foco da bossa nova e nacionalizava a visão crítica
social, inserindo no contexto compositores como Chico Buarque, Capinam, Gilberto
Gil e Dominguinhos.
Nara Leão, que havia
se imortalizado como “a musa da bossa nova” era ao lado de Elis Regina e Maria
Bethânia o principal motor incentivador da nova cena.
Um dos
compositores que mais lutaram nesse sentido foi Carlos Lyra, o mesmo da sereníssima
“Se É Tarde, Me Perdoa” (“Se é tarde, me
perdoa / Mas eu não sabia que você sabia / Que a vida é tão boa / Se é tarde,
me perdoa / Eu cheguei mentindo, eu cheguei partindo / Eu cheguei à toa / Se é tarde, me perdoa / Trago desencantos de
amores tantos pela madrugada / Se é tarde, me perdoa / Vinha só, cansado”).
Deixando a
poesia de lado, Lyra saiu em defesa do lado pobre do Rio e compôs coisas como
“Feio Não É Bonito” (“Feio não é bonito /
O morro existe, mas pede pra se acabar / Canta, mas canta triste / Porque
tristeza é só o se tem pra cantar / Chora, mas chora rindo / Porque é valente e
nunca se deixa quebrar / Ama, o morro ama / O amor aflito, o amor bonito que
pede outra história...”) ou “Maria Moita”, um hino ao feminismo em plenos
anos 1960 (“... Deus fez primeiro o
homem, a mulher nasceu depois / Por isso é que a mulher trabalha sempre pelos
dois / Homem acaba de chegar tá com fome / A mulher tem que olhar pelo homem /
E é deitada ou em pé, mulher tem é que trabalhar...”).
Tom Jobim e Vinícius
de Moraes também entraram na onda e compuseram “O Morro Não Tem Vez” (“O morro não tem vez / O que ele fez já foi
demais / Mas olhem bem vocês / Quando derem vez ao morro / Toda a cidade vai
cantar”).
Além de buscar
inspiração nas raízes mais sofridas do povo do Rio de Janeiro, Carlos Lyra também
engrossou a onda social-nacionalista na mesma linha de José Ramos Tinhorão,
Gianfrancesco Guarnieri, Chico de Assis e Geraldo Vandré ao denunciar a
“invasão americana” na música brasileira.
Lyra compôs “Influência
Do Jazz” (“Pobre samba meu / Foi se
misturando, se modernizando / E se perdeu / E o rebolado, cadê? /Não tem mais /
Cadê o tal gingado que mexe com a gente? / Coitado do meu samba, mudou de
repente / Influência do jazz”), mais ou menos nos mesmos moldes de
“Chiclete Com Banana”, composto por Gordurinha e Almira Castilho, gravada por
Jackson do Pandeiro em 1959 também na onda do nacionalismo (”Eu só ponho bebop no meu samba / Quando Tio
Sam pegar o tamborim / Quando ele pegar / No pandeiro e no zabumba / Quando ele
aprender que o samba não é rumba...”).
Walter Santos,
um baiano cuja voz e atitude lembravam João Gilberto, sustentou a discussão com
“Samba Só” (“Bossa nova ou samba-jazz /
Sambalanço ou samba só / O que importa é que o balanço é bom / Interessa é
balançar / Bossa nova ou samba-jazz / Nosso samba agora está demais / Ah, meu
samba, fizeram tanta confusão / Disseram que você desafinava / Ah, meu samba,
quanta ingratidão”), e Leny Andrade veio de “Estamos Aí”, de Durval
Ferreira e Mauricio Einhorn (“Só se for
agora a bossa vai prosseguir / Todo mundo vai gostar, nosso samba é demais /
Bossa nova vai mostrar que pode arrasar / Se falar de sol e amor, de mar e luar
/ E de gente que cantando vai / Gente que só tem na alma paz e amor / E pro
mundo todo vai mostrar então / Que a bossa nova cresce / Que a bossa nova vence
/ Que a nossa bossa vale, estamos aí!”), e completava com um magnífico scat bem na linha do bebop.
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Edu Lobo, que
já havia composto com Vinicius a romântica “Canção Do Amanhecer” (“Ouve, fecha os olhos meu amor, é noite ainda
/ Que silêncio / E nós dois na tristeza de depois / A contemplar o grande céu
do adeus...”), também entrou no
movimento da “nova música popular” dentro de uma abrangência maior, cantando a
saga do retirante nordestino em fuga do seu destino para o sul do país, como em
“Borandá” – “vamos embora” no linguajar do sertão – (“Vam’borandá, que a terra já secou / Borandá / Vam’borandá, que a chuva
não chegou / Borandá / Já fiz mais de mil promessas / Rezei tanta oração / Deve
ser que eu rezo baixo / Pois meu Deus não ouve não...”) ou “Chegança” (“Estamos chegando daqui e dali / E de todo
lugar que se tem pra partir / Trazendo na chegança foice velha e mulher nova /
E uma quadra de esperança...”).
Foi quando Roberto
Menescal e Luiz Fernando Freire responderam com uma música na tentativa de acabar
com a polêmica que já começava a dividir os músicos do Rio ao mesmo tempo em
que justificava coexistência do “mar-amor-luar” e da “lata d’água na cabeça”,
estado de coisas que apontava um dos sérios problemas sociais do estado.
A música se
chama “Vê”, foi composta em 1964, e segue assim – (“Vê, entende a gente / Que é feita de amor / E simplesmente à vida dá
valor / E sem razão pra tanta reunião / Pra nós importa a voz do coração / E o
nosso tema consiste de ternura / Mas só entende quem tem a alma pura / E não
depende de quem não vê / Que o mundo é cor / Que o mundo é céu e mar / E que
uma flor não vai alienar / Uma canção que é feita pra cantar / E a discussão
não vai adiantar / Quem tanto fala devia embora andar / Na mesma praia um dia
vai achar / O mesmo céu e aquele mesmo mar...”).
Marcos e Paulo Sérgio Valle também entraram na onda do desagravo da bossa nossa com “A Resposta” (“Se alguém disser que o teu samba não tem mais valor / Porque ele é feito somente de paz e amor / Não ligue não, que essa gente não sabe o que diz / Não pode entender quando um samba é feliz / O samba pode ser feito de céu e de mar / O samba bom é aquele que o povo cantar / De fome basta o que o povo na vida já tem / Pra que lhe fazer cantar isso também?... / ... Falar da terra na areia do Arpoador / Quem pelo pobre na vida não faz um favor / Falar do morro morando de frente pro mar / Não vai fazer ninguém melhorar”).
Marcos e Paulo Sérgio Valle também entraram na onda do desagravo da bossa nossa com “A Resposta” (“Se alguém disser que o teu samba não tem mais valor / Porque ele é feito somente de paz e amor / Não ligue não, que essa gente não sabe o que diz / Não pode entender quando um samba é feliz / O samba pode ser feito de céu e de mar / O samba bom é aquele que o povo cantar / De fome basta o que o povo na vida já tem / Pra que lhe fazer cantar isso também?... / ... Falar da terra na areia do Arpoador / Quem pelo pobre na vida não faz um favor / Falar do morro morando de frente pro mar / Não vai fazer ninguém melhorar”).
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Um pouco
mais raras, mas não menos belas, são as composições que mostram o diálogo entre
duas pessoas como em “Sinal Fechado”, obra prima de Paulinho da Viola lançada
por ele no V Festival de MPB da TV Record em 1969 (“Olá, como vai? / Eu vou indo, e você, tudo bem? / Tudo bem! Eu vou indo
correndo, buscar meu lugar no futuro, e você? / Tudo bem! Eu vou indo em busca de um sono tranquilo...
quem sabe? / Quanto tempo, pois é, quanto tempo...”), ou em “Amigo É Pra
Essas Coisas”, composta por Aldir Blanc
e Silvio da Silva Junior em 1970 e imortalizada pelo MPB4 (“Salve! Como é que vai? / Amigo, há quanto
tempo! / Um ano ou mais / Posso sentar-me um pouco? / Faça o favor / A vida é
um dilema / Nem sempre vale a pena / A... / O que é que há? / ...Rosa acabou
comigo / Meu Deus, por que? / Nem Deus sabe o motivo / Deus é bom... / Mas não
foi bom pra mim / Todo amor um dia chega ao fim...”). Ou ainda a antológica
“Teresa Da Praia”, de Antônio Carlos Jobim e Billy Blanco, composta em 1954
para as vozes de Dick Farney e Lucio Alves (“Lucio, arranjei novo amor no Leblon / Que corpo bonito, que pele morena
/ Que amor de pequena, amar é tão bom, tão bom / Oh, Dick, ela tem o nariz
levantado / Os olhos verdinhos bastante puxados / Cabelos castanhos / E uma
pinta do lado...”).
SEGUE
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