sábado, 15 de setembro de 2018





O JANTAR
(excerto)

Duas lágrimas, uma de cada olho.
Só aquilo me deu vontade de mandar o diabo para o diabo.
Duas lágrimas são duas lágrimas, ainda mais com a mão servindo de anteparo para que eu não veja os olhos vermelhos e o rosto convulso com vontade de morder.
E as nossas mãos se apertando, em mudo desespero.
Ao fundo, Nat “King” Cole está cantando aquelas melodias de alguns anos atrás, de alguns séculos atrás, o que me faz sentir neste momento um pré-histórico da pré-história, a mente funcionando sem funcionar, um remoinho de ideias – “Por que? Por que?” – duas lágrimas, dois rios, um desabafo e as nossas mãos se apertando em mudo desespero. 
Além do vidro da janela imensa, os edifícios frios, a paisagem fria e a noite fria. Sobre a mesa, uma cerveja fria com copos mortos e a espuma seca, a música fria e duas lágrimas quentes.
Até as paredes sabem. As paredes sabem das lágrimas e das mãos, e agora o beijo, furtivo e único.

Nenhum comentário: