segunda-feira, 22 de outubro de 2018





A ALIENAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA

(Augusto Pellegrini)

A mudança dos conceitos de arte sempre foi um objeto de intensa discussão acadêmica.
Ela é responsável pelo aparecimento de novas tendências e pela criação de novas escolas, embora possa, como fonte de experimentos, ocasionar problemas de qualidade.
A história mostra que os conservadores sempre se mantiveram de sobreaviso contra mudanças consideradas agressivas, e que os vanguardistas sempre buscaram impor as suas ideias de renovação. As duas correntes, mesmo conflitantes, têm sido responsáveis pela evolução que a música apresentou ao longo dos séculos em todo o mundo.
A renovação bem-sucedida, no entanto, não nasce simplesmente do nada, pois mesmo nas novidades mais extremadas de cada nova tendência, essa tendência é baseada em elementos que já existiam na velha escola.
Esta mudança é dinâmica, e vale para todas as artes.
O que vale também para todas as artes são as conceituações sobre a sua qualidade (ou falta de) e a velha e discutível máxima de que “gosto não se discute”.
As mudanças na forma de expressar a arte se processam de forma cíclica e inevitável, mas a história costuma fazer uma devida depuração, de modo que o próprio tempo se encarrega de mandar para a lixeira muitas tentativas de conspurcação a fim de reestabelecer uma mínima qualidade artística.
Infelizmente com a música – estou falando da música brasileira – não é bem isso o que está acontecendo. Parece que depuração está ficando mais lenta.
O grande culpado por esta queda de qualidade é o aumento do consumo – leia-se dinheiro envolvido – por conta da febre mercantilista que leva produtores de shows, programadores de rádio e músicos ávidos pelo sucesso fácil, a investirem maciçamente neste segmento, que é produzido especialmente para que muita gente ganhe fortunas com isso.
Há que se entender, antes de mais nada, que a verdadeira música pode ser expressa apenas pela melodia, pela harmonia e pelo andamento, ou seja, ritmo e letra são meros complementos de beleza.
O sucesso popular de uma música atual, porém, vem via de regra quando a percussão assume um volume insuportável e quando a letra contém apenas grunhidos, exclamações, gritos e obscenidades.
A deterioração da música brasileira começou nos anos 1990 e a cada década vai se acentuando, num verdadeiro atentado contra a produção celestial de Jobim, Chico, Caetano, Caymmi, Gil, Djavan e João Bosco, apenas para citar alguns, onde música e poesia se completam de forma inequívoca.
A eletrônica e a computação prestaram um grande auxílio à qualidade sonora e às facilidades para gravação, mas os técnicos e produtores exacerbaram e deram a estes recursos um valor acima do necessário.
Por outro lado, a dança popular e a manifestação do público durante a realização de shows há muito deixaram de ser coisa de gente civilizada, e as grandes festas são apenas mais um motivo para a galera se enturmar e ouvir música em volume ensurdecedor, não importa o tipo de música que estiver tocando. Ensandecidos pelo emburrecimento, pelo álcool e pelas drogas o público está ficando com a mente embotada de tanto ouvir coisa ruim.
Felizmente, como as grandes orquestras sinfônicas, o jazz convencional, a música popular autêntica e a preservação do folclore tradicional teimam em continuar existindo, existe também a tênue esperança de dias melhores para aqueles que ainda lutam, mesmo que aparentemente seja contra moinhos de vento.
Eu, por exemplo, quando faço minhas tertúlias musicais jazzistas e bossanovistas procuro sempre incluor no repertório “standards” americanos como “Autumn Leaves”, “Night and Day”, “The Lady is a Tramp” ou “Unforgettable”, e alguns sambas-canções da época de Dolores Duran, Dick Farney ou Johnny Alf. O resultado tem sido compensador, pois além de satisfazer o ouvinte exigente estou conseguindo recuperar alguns ouvintes.
Ah, eu também gosto do velho e bom rock and roll, com seu volume alto, e sua informalidade organizada levada no balanço distorcido do rhythm & blues, mas este é um outro assunto, objeto de um outro artigo.          

Nenhum comentário: