O CARNAVAL DOS OUTROS
Primeira parte
O
carnaval brasileiro é o mais famoso do mundo, dizem as boas e más línguas.
Não
chega a haver controvérsias, inclusive pela opinião das autoridades no assunto,
cronistas mundanos e turismólogos em geral, mas é bom a gente saber, do alto da
nossa proverbial verdade, que existem outros Carnavais que não estes cantados
pelos sambas de enredo, pelas marchas-rancho, pelas marchinhas, pelos sambas de
carnaval, pelo frevo e pelo maracatu, e atualmente pelos ritmos baianos, gostem-se
deles ou não.
Enquanto
as escolas de samba invadem as madrugadas rasgando as passarelas do Rio de
Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, e enquanto animados blocos
desorganizados vão arrebanhando foliões avulsos pelas esquinas movimentadas das
grandes metrópoles ao som de uma charanga improvisada, outras partes do mundo
vão fazendo a sua parte.
Afinal,
é Carnaval, uma festa que dizem ter seu nome originado no latim “carnis levale” (adeus à carne), ou seja,
adeus aos prazeres da carne, ironicamente produzida num período de cinco dias
onde a carne (sem trocadilho) abunda.
Apesar de o
nome ser derivado do latim, historiadores acham que o evento começou a ser
festejado na Grécia entre 600 e 520 a.C., nos cultos onde se agradecia aos
deuses pela fertilidade da terra, isto é, gandaia não é coisa dos nossos dias.
Nas
grandes confraternizações populares da Grécia daquela época, aí incluindo os
Jogos Olímpicos, os protagonistas participavam totalmente nus, vindo talvez daí
o feitio dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro – aquilo que a
televisão não mostra.
A
tradição do carnaval grego se espalhou pelo mundo e cada povo passou a festejar
de acordo com os seus próprios costumes. A Igreja Católica autorizou a
comemoração pagã nos dias que antecediam a quaresma, quando as coisas seriam
recolocadas nos eixos. Ao que tudo indica isso aconteceu ao redor de 590 d.C.
De
acordo com a tradição, depois do período da orgia deve haver um período de
abstinência, jejum e meditação – que no Brasil é usado para começar a temporada
de carnavais fora de época.
O
carnaval, proposto em diferentes formas, faz parte da comemoração de diversos
países. Alguns tipos de Carnaval são claramente baseados nos festejos do Rio de
Janeiro, é certo, mas outros se baseiam em uma cultura própria e diferem em
forma e conteúdo.
O
que existe de semelhante em todos eles é a data da celebração, baseada na quaresma,
que marca quarenta dias de jejum – período que Cristo passou jejuando no
deserto, antecedendo o domingo de Páscoa, cuja data é fixada como o primeiro
domingo depois do aparecimento da primeira lua cheia na primavera do hemisfério
norte (confuso, não?).
Assim,
estranho que possa parecer, a fixação da data da “carnavalia” foi feita em
função de um evento religioso, pois apesar dos relatos históricos que atestam a
origem pagã dos festejos, a história moderna situa o início das festividades a
partir da implantação da Semana Santa pela Igreja Católica no século 11,
antecedidas pelos quarenta dias de jejum, a chamada quaresma.
Assim,
“carnis levale” significava um adeus temporário aos prazeres deste mundo
durante quarenta dias de jejum e abstinência, e para tanto os homens faziam
grandes “festas de despedida”, evidentemente com muita esbórnia e salve-se-quem-puder.
O
carnaval da antiguidade durava uma semana e era marcado por grandes festas onde
se dançava, comia e participava de alegres libações. Os escravos ganhavam uma
semana de licença para fazerem o que bem entendessem e o próprio rei entrava na
farra junto com a patuleia – daí surgindo possivelmente a figura do Rei Momo.
Hoje,
pelo menos pelo que se observa no Brasil, aquele rei é representado por alguns
governantes e algumas celebridades que evitam o contato direto com o povo e
preferem se isolar nos camarotes especiais das cervejarias ou frequentar bailes
de gala isolados, cuja participação se restringe a convidados especiais.
Mas
os escravos continuam tendo a sua semana de folga.
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