terça-feira, 26 de fevereiro de 2019







UMA BREVE HISTÓRIA DO CHORO

(Trecho do meu livro “AS CORES DO SWING”, estabelecendo uma relação entre o choro e o jazz. O livro está pronto, mas ainda não foi lançado)


No entanto, é bom que se frise que Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, esteve em Paris com Os Oito Batutas em 1922, onde chegou a interagir com algum tipo de jazz. Ele ficou por lá durante seis meses e levou um repertório composto de samba, maxixe e choro, trazendo de volta na bagagem algum charleston, ragtime e shimmy (uma espécie de dança na qual a pessoa mantinha o corpo ereto e apenas movia os ombros, famosa na época com a música de Spencer Williams “Shim-Me-Sha-Wabble”, de onde provém o seu nome).
E, apesar da pouca penetração que o jazz tinha nos ouvidos brasileiros, posto que no Brasil havia uma profunda xenofobia que torcia o nariz para as artes externas – mais tarde exacerbada pela Semana de Arte Moderna – existiam formações, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que se autodenominavam orquestras de jazz, como a do violinista Dante Zanni, a Jazz Band do Batalhão Naval, a Jazz Band Sul-Americano do saxofonista Romeu Silva, algumas sociedades carnavalescas e a Carlitos et Son Orchestre, do baterista Carlos Blassifera, que foi para a França, onde se radicou em 1926. Mas, mesmo com esta pequena troca de experiências, o que no Brasil se chamaria de jazz se resumiu a algumas poucas tentativas imitativas mais ou menos canhestras.
A nossa cultura musical, assim como acontece com outros aspectos da cultura brasileira, se apoiava em um tripé que tinha a origem no índio nativo, no negro escravo e no português colonizador.
O índio foi o responsável pela criação do instrumento percussivo básico; o negro nos brindou com o canto, a dança e a alma, com muita ginga e malícia; e o português, que trouxe da Corte os instrumentos musicais – piano, violão, violino, e posteriormente os metais e as madeiras – nos presenteou com a teoria musical europeia.
Um país preocupado em descobrir a sua própria musicalidade não parecia ser o local apropriado para que uma outra música – já elaborada, recém-criada e absolutamente diferente de quase todos os matizes que faziam parte da nossa identidade na época – pudesse chegar e se desenvolver.
Dizemos “quase” todos os matizes porque o legado que o negro escravo no Brasil deixou para a música foi, em essência, o mesmo legado que a música americana recebeu do negro escravo que para lá foi mandado.
A participação do negro na música popular brasileira foi antiga e decisiva.
A exemplo dos hollers da América, no Brasil se exercitavam os pregões (outra herança de Portugal), e em contraposição aos spirituals e gospels o Brasil respondeu com rituais de cunho religioso, de onde surgiram congadas, maracatus e afoxés – que surpreendentemente deram origem a uma cultura pagã ao desembocarem nas escolas de samba a partir de 1928.
Muitas pessoas do povo, boa parte deles negros, se encontravam nas esquinas e nos quintais para fazer música popular já durante os séculos dezoito e dezenove, antes mesmo que os seus pares americanos se juntassem para organizar as suas spasm bands. Estes músicos deram início à organização dos sons e dos ritmos populares, e sem dúvida anteciparam o que viria a ser, no futuro, a música popular brasileira.
Estas bandas incipientes eram compostas por “músicos” que utilizavam uma grande variedade de instrumentos não oficiais, muitos deles totalmente fora de propósito – bambus, folhas de metal retorcidas, troncos de árvores ocos, ossos, chifres, artefatos de cerâmica, apitos e flautas rudimentares – que pouco a pouco foram sendo substituídos por instrumentos de verdade, para chegarem às portas do século vinte relativamente organizadas em forma de bandas.
Apesar da participação do negro tanto lá como cá, a distância que separava a música americana da música brasileira no início do século vinte não era só física, mas também estrutural.
A música americana tomou o caminho do jazz através de uma série de circunstâncias e de fatores sociais, históricos e religiosos, como as work songs (canto que cadenciava o trabalho dos escravos), o lamento profano do blues, a louvação religiosa dos spirituals, as marchas militares, o fim da guerra civil e da escravidão e – finalmente – o ragtime e toda a influência cosmopolita de Nova Orleans. Ela também foi influenciada sobremaneira pela a expressão vocal africana e sua escala musical intuitiva.
Como no Brasil não houve esta mesma diversidade de fatores, a influência maciça foi mesmo a dos hábitos cultivados em Lisboa e no Rio de Janeiro e da música introduzida pelos portugueses, como a modinha e a polca. É claro que também houve a influência da expressão musical africana, mas ela se fez principalmente na forma de ritmo e pulsação.
Foi dos portugueses que recebemos todo um embasamento harmônico e tonal, além dos instrumentos europeus populares mais característicos, como o piano, o bandolim (que se derivou para o cavaquinho), o violão, e em menor escala o contrabaixo, o clarinete e o violino.
Dos portugueses também adquirimos a noção de síncope, harmonia e composição. Estes elementos, com a adição do pandeiro originário da Espanha e do ritmo peculiar criado pela junção do índio e do negro, deram à nossa música popular a identidade que faltava, fazendo surgir a “música dos barbeiros” ou “dos alfaiates” – pontos onde os músicos se reuniam para tocar – o que seria responsável pelo aparecimento do choro.




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