UMA BREVE
HISTÓRIA DO CHORO
(Trecho do meu livro “AS CORES DO SWING”, estabelecendo uma relação
entre o choro e o jazz. O livro está pronto, mas ainda não foi lançado)
No entanto, é bom que se frise que
Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, esteve em Paris com Os Oito
Batutas em 1922, onde chegou a interagir com algum tipo de jazz. Ele ficou por
lá durante seis meses e levou um repertório composto de samba, maxixe e choro,
trazendo de volta na bagagem algum charleston,
ragtime e shimmy (uma espécie de dança na qual a pessoa mantinha o corpo
ereto e apenas movia os ombros, famosa na época com a música de Spencer
Williams “Shim-Me-Sha-Wabble”, de onde provém o seu nome).
E, apesar da pouca penetração que o jazz
tinha nos ouvidos brasileiros, posto que no Brasil havia uma profunda xenofobia
que torcia o nariz para as artes externas – mais tarde exacerbada pela Semana
de Arte Moderna – existiam formações, principalmente no Rio de Janeiro e em São
Paulo, que se autodenominavam orquestras de jazz, como a do violinista Dante
Zanni, a Jazz Band do Batalhão Naval, a Jazz Band Sul-Americano do saxofonista
Romeu Silva, algumas sociedades carnavalescas e a Carlitos et Son Orchestre, do
baterista Carlos Blassifera, que foi para a França, onde se radicou em 1926.
Mas, mesmo com esta pequena troca de experiências, o que no Brasil se chamaria
de jazz se resumiu a algumas poucas tentativas imitativas mais ou menos
canhestras.
A nossa cultura musical, assim como
acontece com outros aspectos da cultura brasileira, se apoiava em um tripé que
tinha a origem no índio nativo, no negro escravo e no português colonizador.
O índio foi o responsável pela criação
do instrumento percussivo básico; o negro nos brindou com o canto, a dança e a
alma, com muita ginga e malícia; e o português, que trouxe da Corte os instrumentos
musicais – piano, violão, violino, e posteriormente os metais e as madeiras –
nos presenteou com a teoria musical europeia.
Um país preocupado em descobrir a sua
própria musicalidade não parecia ser o local apropriado para que uma outra
música – já elaborada, recém-criada e absolutamente diferente de quase todos os
matizes que faziam parte da nossa identidade na época – pudesse chegar e se
desenvolver.
Dizemos “quase” todos os matizes porque
o legado que o negro escravo no Brasil deixou para a música foi, em essência, o
mesmo legado que a música americana recebeu do negro escravo que para lá foi
mandado.
A participação do negro na música
popular brasileira foi antiga e decisiva.
A exemplo dos hollers da América, no Brasil se exercitavam os pregões (outra
herança de Portugal), e em contraposição aos spirituals e gospels o
Brasil respondeu com rituais de cunho religioso, de onde surgiram congadas,
maracatus e afoxés – que surpreendentemente deram origem a uma cultura pagã ao desembocarem
nas escolas de samba a partir de 1928.
Muitas pessoas do povo, boa parte deles
negros, se encontravam nas esquinas e nos quintais para fazer música popular já
durante os séculos dezoito e dezenove, antes mesmo que os seus pares americanos
se juntassem para organizar as suas spasm
bands. Estes músicos deram início à organização dos sons e dos ritmos
populares, e sem dúvida anteciparam o que viria a ser, no futuro, a música
popular brasileira.
Estas bandas incipientes eram compostas
por “músicos” que utilizavam uma grande variedade de instrumentos não oficiais,
muitos deles totalmente fora de propósito – bambus, folhas de metal retorcidas,
troncos de árvores ocos, ossos, chifres, artefatos de cerâmica, apitos e
flautas rudimentares – que pouco a pouco foram sendo substituídos por
instrumentos de verdade, para chegarem às portas do século vinte relativamente
organizadas em forma de bandas.
Apesar da participação do negro tanto lá
como cá, a distância que separava a música americana da música brasileira no
início do século vinte não era só física, mas também estrutural.
A música americana tomou o caminho do
jazz através de uma série de circunstâncias e de fatores sociais, históricos e
religiosos, como as work songs (canto
que cadenciava o trabalho dos escravos), o lamento profano do blues, a louvação religiosa dos spirituals, as marchas militares, o fim
da guerra civil e da escravidão e – finalmente – o ragtime e toda a influência cosmopolita de Nova Orleans. Ela também
foi influenciada sobremaneira pela a expressão vocal africana e sua escala
musical intuitiva.
Como no Brasil não houve esta mesma
diversidade de fatores, a influência maciça foi mesmo a dos hábitos cultivados
em Lisboa e no Rio de Janeiro e da música introduzida pelos portugueses, como a
modinha e a polca. É claro que também houve a influência da expressão musical
africana, mas ela se fez principalmente na forma de ritmo e pulsação.
Foi dos portugueses que recebemos todo
um embasamento harmônico e tonal, além dos instrumentos europeus populares mais
característicos, como o piano, o bandolim (que se derivou para o cavaquinho), o
violão, e em menor escala o contrabaixo, o clarinete e o violino.
Dos portugueses também adquirimos a
noção de síncope, harmonia e composição. Estes elementos, com a adição do
pandeiro originário da Espanha e do ritmo peculiar criado pela junção do índio
e do negro, deram à nossa música popular a identidade que faltava, fazendo
surgir a “música dos barbeiros” ou “dos alfaiates” – pontos onde os músicos se
reuniam para tocar – o que seria responsável pelo aparecimento do choro.
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