quinta-feira, 11 de abril de 2019






FACA OU TESOURA?
(A ilógica do absurdo)

O homem está sentado à mesa rústica, dessas de madeira grossa e nua, tem à sua frente um esplendoroso queijo meia cura, desses de estalar a língua, e pede à mulher que lhe traga uma faca. Está disposto a mastigar umas fatias da magnífica iguaria e molhar a boca com uns goles do generoso vinho de litro acaba de trazer da adega.
A mulher sai da cozinha, vai até o quarto e retorna com uma tesoura, de bom tamanho.
Ao ver a mulher trazendo uma tesoura, o homem reclama, estupefato:
- Faca, Maria, eu pedi uma faca!
- E pra que você quer uma faca, Tebaldo?
- Pra cortar o queijo, ué! Queijo se corta com faca.
- Sem necessidade, pode usar a tesoura mesmo.
Tebaldo começou a perder a paciência.
- Como vou cortar o queijo com uma tesoura? Faca, Maria, queijo se corta com faca! Pega uma aí no armário.
- Pois eu corto queijo com tesoura!
-Faca!
-Tesoura!
-Faca!!
-Tesoura!!
Tebaldo se enfureceu, levantou-se da cadeira, segurou a mulher pelos braços, olhou bem nos olhos dela e gritou “faca!!!”. Ao que ela olhou pra cara dele e gritou de volta “Tesoura!!!”.
Maria se soltou com um solavanco e, temendo pelo pior, desandou a correr e foi em direção a uma cisterna, descendo pela corda até ficar a uns cinco metros da boca do poço, com a água pela cintura. E continuou berrando – “tesoura! tesoura!”, desafiando o marido.
Tebaldo não sabia mais o que fazer e ameaçou jogar na cabeça da indigitada um vaso que repousava inerme ao lado da cacimba.
Como último recurso, Maria mergulhou por completo dentro da água, de modo que qualquer tentativa de falar “tesoura” se transformaria num mero borbulhar da superfície.
Vencedor, Tebaldo gritou com toda a potência de voz possível – “FACA!!!”.
Sem se deixar vencer, Maria levantou o braço destemido e com a mão erguida continuou cortando o ar com os dedos fazendo aquele gesto que imita uma tesoura.   


(abril 2019)


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