O ENCONTRO
(Excerto)
O pequeno barco construído
à mão singra a águas do lago. Na verdade não é um barco, apenas uma casca de
árvore com uma folha dourada à guisa de vela.
Eu o sigo, à distância,
usando a palma da destra como aba de chapéu, resguardando os olhos da ofensa
claridade que vem do alto. Baixo então olhar para a água trêmula que me serve
de espelho fazendo coreografia com os chorões que se debruçam sobre a margem.
De repente, no espelho da
água vejo refletido um rosto de mulher. Estranho, exótico, irreal.
“Cuidado! Esta imagem que vês ao lado da tua bem pode ser uma sereia,
fascinante e bela como as ondas do mar, mas perigosa e pérfida como os seus
abismos”.
Não dou importância à voz
que me fala e me deixo dominar pelo olhar profundo da celestial visagem e pelo seu
sorriso enigmático, sem me importar se esta é a visão de uma sereia ou da deusa
da floresta.
“Encontraste esta deusa no lago e te apaixonastes por ela. Cuidado, digo
mais uma vez, pois a água é mística e
seus mistérios insondáveis”.
Já somos um par de mãos
entrelaçadas percorrendo o parque entre velhas árvores e ruídos silvestres.
Murmuramos palavras que só nossos ouvidos distinguem. Entardece o dia e entardecemos
nós dois. Seu sorriso de enigma me transtorna e caímos em transe.
As árvores parecem girar
numa dança maluca e desaparece a última réstia de sol.
“O frio da noite te aterroriza, sonhador? Caminha e foge, não te iludas
com falsas sensações ou miragens, que a noite é fria como as águas deste lago”.
Acordo ofegante de um sono
improvável, sentindo na face o bafo gelado do crepúsculo e contemplo o parque
vazio com cheiro de terra, ainda sentindo o roçar dos cabelos da deusa no meu
rosto.
Teria sido tudo só um sonho
– indecifrável e estranho?
“Nem toda realidade é verdadeira, nem todo sonho é irreal. Pan te contempla
encarapitado no topo da mais alta árvore, pois fostes o escolhido para penetrar
seus densos mistérios”.
O pequeno barco aportou na
outra margem e agora faz companhia a folhas caídas e gravetos que flutuam ao tremular
da água.
O vento me faz tremer como
o chorão que me faz companhia e um silêncio dolorido toma conta da paisagem.
Nenhuma música faria eco para
o meu estado de espírito. Só se fosse um réquiem, para compor o cenário.
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