quarta-feira, 15 de maio de 2019





O ENCONTRO
(Excerto)

O pequeno barco construído à mão singra a águas do lago. Na verdade não é um barco, apenas uma casca de árvore com uma folha dourada à guisa de vela.
Eu o sigo, à distância, usando a palma da destra como aba de chapéu, resguardando os olhos da ofensa claridade que vem do alto. Baixo então olhar para a água trêmula que me serve de espelho fazendo coreografia com os chorões que se debruçam sobre a margem.
De repente, no espelho da água vejo refletido um rosto de mulher. Estranho, exótico, irreal.
Cuidado! Esta imagem que vês ao lado da tua bem pode ser uma sereia, fascinante e bela como as ondas do mar, mas perigosa e pérfida como os seus abismos”.
Não dou importância à voz que me fala e me deixo dominar pelo olhar profundo da celestial visagem e pelo seu sorriso enigmático, sem me importar se esta é a visão de uma sereia ou da deusa da floresta.
Encontraste esta deusa no lago e te apaixonastes por ela. Cuidado, digo mais uma vez, pois a água é mística e seus mistérios insondáveis”.
Já somos um par de mãos entrelaçadas percorrendo o parque entre velhas árvores e ruídos silvestres. Murmuramos palavras que só nossos ouvidos distinguem. Entardece o dia e entardecemos nós dois. Seu sorriso de enigma me transtorna e caímos em transe.
As árvores parecem girar numa dança maluca e desaparece a última réstia de sol.
O frio da noite te aterroriza, sonhador? Caminha e foge, não te iludas com falsas sensações ou miragens, que a noite é fria como as águas deste lago”.
Acordo ofegante de um sono improvável, sentindo na face o bafo gelado do crepúsculo e contemplo o parque vazio com cheiro de terra, ainda sentindo o roçar dos cabelos da deusa no meu rosto.
Teria sido tudo só um sonho – indecifrável e estranho?
Nem toda realidade é verdadeira, nem todo sonho é irreal. Pan te contempla encarapitado no topo da mais alta árvore, pois fostes o escolhido para penetrar seus densos mistérios”.
O pequeno barco aportou na outra margem e agora faz companhia a folhas caídas e gravetos que flutuam ao tremular da água.
O vento me faz tremer como o chorão que me faz companhia e um silêncio dolorido toma conta da paisagem.
Nenhuma música faria eco para o meu estado de espírito. Só se fosse um réquiem, para compor o cenário.    
  

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