TEMPEROS À ITALIANA
(Excerto)
Conheci o professor Fiordermundo
Bustamante como que por acaso, numa disputa por cadeiras na famosa Cantina do
Carlino.
Com a cantina lotada, acabamos
sentando juntos à mesma mesa, e começamos por brindar com uma fortíssima grappa para depois ordenarmos um
poderoso Valpolicella safra 88 e fettuccine
com polpetas, com direito a antepasto à base e fungo seco e miolo de
alcachofra.
Eu havia saído de casa
naquele domingo disposto a degustar as artes culinárias e os molhos ensandecidos que fizeram a alegria e o
colesterol dos meus antepassados – o avô suspirava à mera menção de uma spaghettata al vongoli ou com pomodoro sopra,
o vinho toscano, a mesa farta, a salada regada a azeite prima stampa, orégano, vinagre de vinho e pimenta calabresa, além
da pagnotta cortada ao meio no
robusto seio da avó com uma faca de assustar perdigueiros.
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Na mesa ao lado um galante
Mastroianni não se cansava de admirar a loira Calcedônia – que me fora
apresentada por Fiordermundo como sua esposa – com um olhar galante que ia da
torta do peixe que deglutia com gosto à invejável anatomia da caucasiana, possivelmente
imaginando o prelúdio de um interlúdio lúdico e lúbrico, enquanto o professor discorria
a respeito de filosofemas.
O tempo passa, e o nosso
belo vizinho solitário agora se delicia com um sorvete de nozes com creme.
A loira se levanta, apanha
a minúscula bolsa e vai retocar a maquilagem, passando perto da mesa do
garanhão latino, que olha para o horizonte com o olhar confiante de quem vai
garantir mais uma conquista amorosa. Na volta, recebe dele um minúsculo pedaço
de papel com alguma coisa escrita.
Ela chega, para e fica em
pé ao lado do marido, a quem apresenta o tal bilhete, agora desdobrado, no qual
se lia “5298-6470, depois das duas horas – Damásio”. Fiordermundo ficou pálido e
olhou atônito para a expressão inexpressiva da esposa, como se pedindo
autorização para tomar alguma providência.
Olhou mais uma vez para o
bilhete, pediu licença cortesmente, limpou o canto da boca com o alvo guardanapo,
colocou os óculos no bolso do paletó e levantou-se altiva e vagarosamente.
Foi em direção ao romântico
Damásio e sem pestanejar ou proferir palavra desferiu-lhe um portentoso petardo
na ponta do queixo com o punho direito atirando o belo Petrônio com cadeira e
tudo contra a mesa ao lado, arruinando o rega-bofe de uma gorda senhora e de um
empertigado senhor de calva pronunciada.
Gritos estremecem o restaurante,
bolinhas do colar de pérolas da matrona rolam pelo chão e o resto do sorvete de
nozes foi temperar um cabrito à caçadora perfumado a sálvia e estragão.
Levantei-me tranquilamente
olhando para o cenário apocalíptico, os semblantes perplexos dos circunstantes
e divisei o bilhete, agora adornando um prato regado a finas ervas.
Dei a volta por detrás da
máquina de café “espresso” – “crema caffè naturale – funziona senza vapore”
– enquanto via o professor Fiordermundo enlouquecido sendo firmemente seguro
pelo porteiro e pelo maître, gritando a plenos pulmões “velhaco!” “vagabundo!” –
e outros impropérios indignos da sua formação acadêmica – em direção ao corpo
inerte outrora belo, temperado a nozes com creme, e mortalmente ferido, se não
na sua saúde, pelo menos no seu orgulho, agora em flagrante baixa.
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