POUCOS TRECHOS COM
CLAUDETE
(Excerto - II)
Coloca o bispo na quarta casa do cavalo
do rei.
“É da minha filha que eu estou falando, sabe?”
– ele gostava de falar por interrogativas – “você não deve usá-la como se usa
um pente, se quebrar joga fora e pronto!”
Imaginei Claudete um pente. Um pente que
toca a Polonaise ao piano e faz carícias nos meus cabelos pretos.
A verdade é uma só, imutável e irretorquível:
meu interesse por Claudete não vai além das carícias quentes nas escadas frias.
Até um pouco aquém, creio eu.
“É como se Deus não estivesse vendo!”.
Patético: não sei se finge ou sofre; logo ele desata a chorar. Claudete se aproxima.
“Aceita um vinho do Porto?” – irrompe ela,
como sempre fora de hora, e serve uma dose minúscula num cálice imperial mesmo
sem ter tido qualquer aquiescência.
Ele joga furiosamente, como se estivesse
apostando a própria vida. Cita Napoleão e suas táticas de guerra. Eu não deixo
para menos:
“O conhaque é excelente!”
“Estou falando do general, não do
conhaque, não me interrompa. Eu dizia que até ele teve o seu Waterloo, a gente
luta tanto para morrer, sumir e não ser lembrado, a não ser como alvo de
chacotas – e chacotas com os mortos têm outro sabor!”
“Sabor de defunto!” – disse eu, enquanto
movia o cavalo para uma casa estratégica, abrindo todo o flanco para o ataque
da dama. “Pronto! Agora o senhor não pode mais mover a torre!” – o rei se
escondia detrás dela como alguém se escondendo dos seus atos.
A partida está ganha. Alheia a tudo,
Claudete toca a La Revolutionnaire ou qualquer coisa do tipo, esmagador, triunfante,
constrangedor, enquanto o pai tomba vencido sem nenhuma torre para se esconder
atrás, meu xadrez e os seus problemas.
Um peão rola pelo tapete e para ao lado
do meu pé.
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