O POLÍTICO
(Excerto)
Ali estava o
velho político. Morto, e além do mais, convicto.
O peito, que
antes estufava de elogios e medalhas
Agora estufa
de vermes, e de moscas na mortalha
As mãos que
faziam o ambiente tenso
Agora estão
imóveis, segurando um terço
Antes, da
multidão o delírio. Agora resta um silêncio vazio
Desde quando
menino sonhava. O poder queria, a todo custo
Com ou sem
honestidade, a liderança pedia; achava justo
Conseguiu-a
com dinheiro – pai ricaço, industrial, berço de ouro
Seu prestígio
cimentava luz e glória, tal e qual o pressuposto
Quem nasceu
sem sociedade e sem recursos, não interessava
Sociedade era
pra ele a fina casta da porção sofisticada
Na juventude
não teve amigo ou companheiro que fosse pobre
A virtude nunca
conta. A vida com mais dinheiro se faz mais nobre
Sem exames
rigorosos ingressou na faculdade de advogados
De janota
prepotente a jurista consagrado foi transportado
Em pleno baile
de gala, luzes e cristais brilhando, traje a rigor
Recebeu os
parabéns e os elogios gentis do próprio governador
A indústria do
pai crescera, encontrara um meio de sonegar
E hoje era
parte integrante da segurança nacional
Que o povo
pedisse água, passasse fome, e ele com isso?
O pai lhe
mostrara a arte de ver de frente só o bonito
De bacharel à
gloriosa e emocionante corrida eleitoral
Pois... onde a
reconhecida capacidade de advogar?
E foi eleito,
fez lei e discurso em homenagem ao morto pai
Que lhe dera
como herança toda a bagagem de industrial
Fez mais mal
que a peste negra, que a peste branca, que a peste
Tanto mal, que
a própria peste não achou um meio de ser-lhe fértil
Fez
gatunagens, suborno, negócios inconfessáveis, mas ninguém soube
Foi inimigo da
pátria: seu território, suas águas, vendeu a lote
Mas na vida
tudo acaba, e o nosso livro chega enfim à última página
Ali estava o
velho político. Morto, e além do mais, convicto
1988
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