sexta-feira, 8 de novembro de 2019







A VIOLA DO ZÉ DA ROSINHA
(Excerto)

José Brito de Oliveira, filho de dona Rosinha engomadeira, o mais talentoso entre os oito paridos, era um poeta-cantador de seis a doze cordas.
Zé da Rosinha – como era conhecido – era o vate musical de Catolé do Mato, o tom maior que movia as engrenagens da vida pacífica do lugar, um tangará atrevido, um Guido D’Arezzo dos trópicos, um menestrel de dedeira.
           Até que um dia o si-lá-sol calou, o verso impudico quebrou e o colibri amanheceu com a voz fífia. Roubaram a viola do Zé da Rosinha.
O culpado só podia ser o mal-afamado Agostinho, cuja reputação que ia de trapaceiro a ladrão já ultrapassara os limites da cidade e chegara além fronteiras nas cidades vizinhas, de Cajazinho a Ximangó.
O roubo da viola foi assunto de grande repercussão num lugarejo desacostumado a escândalos desse tipo.
O caso foi, é claro, parar na delegacia, e o delegado-juiz mandou chamar Agostinho para depor diante de todos os envolvidos – vítima, testemunhas e enxeridos – numa verdadeira execração pública.
A lengalenga foi arrastada – “onde estava? a que horas? quem? onde? por que?” – e as respostas de Agostinho já vinham prontas – “ não sei, não me lembro, não conheço, não sei tocar viola, não faço a mínima ideia...”.
Lá pelas tantas, depois de horas de negativas e amolações, o delegado, já extenuado e convencido de que iria continuar dando voltas como um cachorro à cata do próprio rabo, resolveu encerrar a sessão por absoluta falta de provas e declarou, na forma da lei – “considerando o álibi apresentado pelo acusado, a pouca evidência mostrada nos depoimentos e a consequente insuficiência de provas, vejo-me na obrigação de absolver o senhor Agostinho Oristânio Marreca”.
Álibi? Evidência? Absolver?
Na cabeça de Agostinho martelava a frase final do delegado-juiz como um gongo chinês – “vejo-me na obrigação de absolver o senhor Agostinho Oristânio Marreca...”.
Todos olharam para a cara de pasmo do já desacusado, esperando por uma reação – um sorriso, uma zombaria, um gemido de alegria, um estertor de alívio – mas o que ouviram foi uma voz fraca, combalida, balbuciante, tartamudeante.
“Faça isso não, doutor, esse negócio de absolver. Faça isso não que eu “adevolvo” a viola pro Zé da Rosinha...”.
    




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