A VIOLA DO ZÉ DA ROSINHA
(Excerto)
José Brito de Oliveira, filho de dona
Rosinha engomadeira, o mais talentoso entre os oito paridos, era um poeta-cantador
de seis a doze cordas.
Zé da Rosinha – como era conhecido – era
o vate musical de Catolé do Mato, o tom maior que movia as engrenagens da vida
pacífica do lugar, um tangará atrevido, um Guido D’Arezzo dos trópicos, um
menestrel de dedeira.
Até
que um dia o si-lá-sol calou, o verso impudico quebrou e o colibri amanheceu
com a voz fífia. Roubaram a viola do Zé da Rosinha.
O culpado só podia ser o mal-afamado
Agostinho, cuja reputação que ia de trapaceiro a ladrão já ultrapassara os
limites da cidade e chegara além fronteiras nas cidades vizinhas, de Cajazinho
a Ximangó.
O roubo da viola foi assunto de grande repercussão
num lugarejo desacostumado a escândalos desse tipo.
O caso foi, é claro, parar na delegacia,
e o delegado-juiz mandou chamar Agostinho para depor diante de todos os
envolvidos – vítima, testemunhas e enxeridos – numa verdadeira execração
pública.
A lengalenga foi arrastada – “onde estava?
a que horas? quem? onde? por que?” – e as respostas de Agostinho já vinham
prontas – “ não sei, não me lembro, não conheço, não sei tocar viola, não faço
a mínima ideia...”.
Lá pelas tantas, depois de horas de
negativas e amolações, o delegado, já extenuado e convencido de que iria
continuar dando voltas como um cachorro à cata do próprio rabo, resolveu
encerrar a sessão por absoluta falta de provas e declarou, na forma da lei – “considerando
o álibi apresentado pelo acusado, a pouca evidência mostrada nos depoimentos e
a consequente insuficiência de provas, vejo-me na obrigação de absolver o
senhor Agostinho Oristânio Marreca”.
Álibi? Evidência? Absolver?
Na cabeça de Agostinho martelava a frase
final do delegado-juiz como um gongo chinês – “vejo-me na obrigação de absolver
o senhor Agostinho Oristânio Marreca...”.
Todos olharam para a cara de pasmo do já
desacusado, esperando por uma reação – um sorriso, uma zombaria, um gemido de
alegria, um estertor de alívio – mas o que ouviram foi uma voz fraca,
combalida, balbuciante, tartamudeante.
“Faça isso não, doutor, esse negócio de
absolver. Faça isso não que eu “adevolvo” a viola pro Zé da Rosinha...”.
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