A NOITE DA MARIOLA
(Excerto)
A orla estava quente e abafada e o céu era
tinto de um negro profundo. Uma luz lá distante no meio do mar denunciava o
barco pesqueiro à procura da sua presa.
A brisa não soprava, a lua estava
apagada e o ar guardava um cheiro forte de frutos do mar em decomposição, bem
apropriado para aquele recanto sem paredes, sustentado por caibros de madeira e
ornado por mesas e cadeiras rústicas, um soturno e decadente bar de praia que
se chamava “A Mariola”, um nome no mínimo estúpido se pretende fazer qualquer
analogia ao mar, mas observando uma certa lógica se fizer apologia ao nome da dona,
uma bruaca com cara de peixe amanhecido, que tanto demora a servir quanto troca
os pedidos, tanto cozinha como serve mal, o que atesta o formidável arroto que
Gilberto deixa escapar após deglutir sem digerir um pedaço de robalo com
cerveja morna.
Enquanto mastigávamos o peixe com gosto
de cartilagem e nos esforçávamos para engolir aquela cerveja com o sabor da
noite, presenciamos a chegada de Mariazinha – o nome viemos saber depois.
Mariazinha era uma linda garota de
cabelos dourados de ninfa e, acreditem ou não, filha da mocreia Mariola. Era o
toque que faltava para transformar aquela choupana num palácio requintado.
Para quem como eu sobreviveu a doze
garrafas e à presença insólita de Gilberto, a chegada de Mariazinha foi o
bálsamo que faltava para aliviar os desatinos desta noite de São Valentim.
A brisa voltou a soprar e parece que o
cheiro de peixe morto cedeu espaço para um delicado perfume francês.
-0-0-0-
Já é quase manhã e outras doze cervejas
se foram, incrivelmente a uma temperatura mais apropriada. As garrafas mortas estavam
enfileiradas debaixo da mesa e a espuma seca no alto dos copos combinava com os
olhos agora opacos de Mariazinha, a paisagem fazendo lembrar uma estepe siberiana.
Mariola desapareceu do quadro, mas dava para ouvir o ruído que fazia com as
panelas atrás da parede do fundo.
A voz de Mariazinha, que nos faz companhia,
já não tem o mesmo viço, e os olhos acesos de Gilberto parecem duas brasas, a
voz pastosa como doce de abóbora.
O céu encarna o azulado da madrugada
antes de assumir a cor de âmbar do nascer do sol e o mar agora repousa na sua
maré baixa deixando à vista uma faixa de areia que forma uma praia tão vasta
quanto deserta. Algumas aves de pernas longas e bico comprido fazem seu
desjejum lá onde a vista alcança.
Mariola vem, fala alguma coisa e recolhe
as garrafas e os pratos enquanto Mariazinha se vai, acenando a despedida com as
mãos e some na linha do horizonte, com o vento fazendo colar o vestido de
tecido fino por sobre o seu corpo delgado.
Foi uma noitada – soluço! – e tanto.
Deveras.
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