segunda-feira, 23 de dezembro de 2019





A NOITE DA MARIOLA
(Excerto)

A orla estava quente e abafada e o céu era tinto de um negro profundo. Uma luz lá distante no meio do mar denunciava o barco pesqueiro à procura da sua presa.
A brisa não soprava, a lua estava apagada e o ar guardava um cheiro forte de frutos do mar em decomposição, bem apropriado para aquele recanto sem paredes, sustentado por caibros de madeira e ornado por mesas e cadeiras rústicas, um soturno e decadente bar de praia que se chamava “A Mariola”, um nome no mínimo estúpido se pretende fazer qualquer analogia ao mar, mas observando uma certa lógica se fizer apologia ao nome da dona, uma bruaca com cara de peixe amanhecido, que tanto demora a servir quanto troca os pedidos, tanto cozinha como serve mal, o que atesta o formidável arroto que Gilberto deixa escapar após deglutir sem digerir um pedaço de robalo com cerveja morna.
Enquanto mastigávamos o peixe com gosto de cartilagem e nos esforçávamos para engolir aquela cerveja com o sabor da noite, presenciamos a chegada de Mariazinha – o nome viemos saber depois.
Mariazinha era uma linda garota de cabelos dourados de ninfa e, acreditem ou não, filha da mocreia Mariola. Era o toque que faltava para transformar aquela choupana num palácio requintado.
Para quem como eu sobreviveu a doze garrafas e à presença insólita de Gilberto, a chegada de Mariazinha foi o bálsamo que faltava para aliviar os desatinos desta noite de São Valentim.
A brisa voltou a soprar e parece que o cheiro de peixe morto cedeu espaço para um delicado perfume francês.
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Já é quase manhã e outras doze cervejas se foram, incrivelmente a uma temperatura mais apropriada. As garrafas mortas estavam enfileiradas debaixo da mesa e a espuma seca no alto dos copos combinava com os olhos agora opacos de Mariazinha, a paisagem fazendo lembrar uma estepe siberiana. Mariola desapareceu do quadro, mas dava para ouvir o ruído que fazia com as panelas atrás da parede do fundo.
A voz de Mariazinha, que nos faz companhia, já não tem o mesmo viço, e os olhos acesos de Gilberto parecem duas brasas, a voz pastosa como doce de abóbora.
O céu encarna o azulado da madrugada antes de assumir a cor de âmbar do nascer do sol e o mar agora repousa na sua maré baixa deixando à vista uma faixa de areia que forma uma praia tão vasta quanto deserta. Algumas aves de pernas longas e bico comprido fazem seu desjejum lá onde a vista alcança.
Mariola vem, fala alguma coisa e recolhe as garrafas e os pratos enquanto Mariazinha se vai, acenando a despedida com as mãos e some na linha do horizonte, com o vento fazendo colar o vestido de tecido fino por sobre o seu corpo delgado.
Foi uma noitada – soluço! – e tanto. Deveras.

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