O MURO
(Segundo Excerto)
O dia hoje amanheceu alegre, risonho e
cheio de sol.
Um passarinho saltita em cima do meu
lado direito, perto do enorme portão de madeira de lei e o entregador de jornal
passa pedalando a sua bicicleta.
A empregada do vizinho amontoa um
punhado de folhas que caíram das árvores durante a noite de ventania.
O atleta de ocasião passa bufando seu
sobrepeso matinal pensando em voltar para casa e comer feito um abade, alguns meninos
vão para a escola chutando uma lata vazia e o arbusto plantado há poucos dias
tem que suportar o mau cheiro vindo do saco plástico cheio de lixo doméstico
que alguém depositou aos seus pés.
Certas noites, quando a lua se esconde
por detrás das nuvens e o guarda-noturno trila o seu apito na esquina, vem aquele
casal de namorados que me têm como cenário dos seus arroubos amorosos até a lua
voltar a se desnudar através dos galhos de bougainville ou o guarda passar por
perto dizendo ”boa noite” em um tom acusador.
Mas o amanhecer é sempre lindo, apesar
das moscas.
Mesmo com o corpo disfarçado de cal e
temendo mais um ataque de vandalismo – outro dia escreverem o nome “Murilo” no
meu costado – tenho que confiar no guarda-noturno à noite e no movimento das
pessoas durante o dia para não ser agredido. Pensando bem, “Murilo” bem que poderia
ser o meu nome, o que dar-me-ia um pouco mais de personalidade.
E assim segue a minha rotina diária, o
meu branco se refletindo na barriga suada do atleta de ocasião destas manhãs de
sol, a empregada do vizinho varrendo folhas, os meninos indo para a escola, o
arbusto bocejando, o saco de lixo aguardando seu transporte de luxo e meu
portão se abrindo para que o dono da casa saia todo pimpão dirigindo seu
automóvel que, como eu, está também precisando de alguns cuidados.
O entregador de jornal se aproxima
assoviando para chamar a atenção da criada que corre toda solerte receber a
Gazeta, porque ambos praticam aquilo que poder-se-ia chamar de “um flerte matinal”.
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