AS CORES DO SWING
(Livro de Augusto Pellegrini)
CAPÍTULO 17 - O HOMEM DETRÁS DO TRONO (FINAL)
A
despeito de
dirigir a sua própria orquestra, Henderson continuou trabalhando para Goodman e
estreitando seus laços de amizade com ele. Naquele momento histórico, Goodman
era detentor de todos os elogios no mundo do jazz e das big bands,
aplaudido nacionalmente e laureado como o Rei do Swing.
A preferência do
público e da crítica por Goodman, ao invés de enciumar Fletcher Henderson
apenas o fazia feliz, pois ele tinha plena consciência da participação que ele estava
tendo no desempenho da orquestra do amigo.
Certa tarde,
quando Henderson foi ao estúdio onde Goodman ensaiava com os seus músicos, ele
foi surpreendido com um convite que lhe soou lisonjeiro. Goodman disse que
gostaria que ele assumisse o lugar de pianista na orquestra, e Henderson pensou
tratar-se de uma brincadeira. Sentar-se no banquinho que já pertencera a Teddy
Wilson e a Jess Stacy parecia ser um exagero para ele, pois a técnica dos dois
pianistas era simplesmente excepcional, e ele há muito tempo deixara de tocar piano
como solista. Além do mais, Henderson se tornara famoso executando uma variante
do jazz tradicional, ao passo que os pianistas de Goodman haviam ingressado
totalmente no universo do swing.
Apesar
das restrições, Henderson sentiu-se honrado, agradeceu a confiança nele
depositada e resolveu fazer parte dos ensaios, participando de algumas
gravações e de diversas apresentações. No entanto, a crítica, que sempre lhe
fora favorável desde a formação do seu primeiro grupo em 1924, começou a
atacá-lo acidamente, sugerindo que Henderson não tinha a suficiente estatura
para segurar a barra como pianista numa orquestra de tal magnitude.
Numa
manhã cinzenta e chuvosa como seu estado de espírito, Henderson se reuniu com
Goodman e lhe disse que abandonava o cargo. Apesar da resistência de Goodman,
ele foi inflexível, e a saída foi contratar outro pianista. Depois de algumas tentativas,
o escolhido foi Johnny Guarnieri, que tinha uma boa experiência com o swing por ter tocado com a orquestra de
George Hall.
A despedida formal
foi emocionante, pois tanto Henderson quanto Goodman tinham plena consciência
de que o sucesso de Goodman se dera não apenas pela qualidade dele como músico
e como líder, mas também pelos arranjos modernos emprestados pela competência
de Fletcher Henderson e registrados na história da orquestra, como nas músicas
“Remember”, “Three Little Words”, “Honeysuckle Rose”, “Sugarfoot Stomp”, “Buggle Call Rag”, “Wrappin’ It Up”, “Get Happy” e “I Can’t Give You Anything But Love”.
Fletcher Henderson
continuaria sua vida de músico trabalhando ocasionalmente com sua própria
orquestra, mas na maior parte do tempo escrevendo arranjos para Goodman e
diversos outros bandleaders.
Henderson era um
homem de personalidade introvertida. Jamais comentava seus sucessos ou seus
insucessos, de modo que pouca gente conseguia penetrar no seu mundo particular.
Alguns amigos mais chegados garantiam que, apesar do seu reconhecimento como
músico, ele ainda guardava alguma mágoa por não ter conseguido realizar o sonho
dos seus pais no exercício da profissão de químico ou farmacêutico. Esta
insatisfação se tornava evidente quando ele não estava envolvido com a música
ou quando tinha a oportunidade de reciclar seu conhecimento científico com
alguém.
Em 1945, Henderson
estava caminhando pela Quinta Avenida quando se encontrou com um ex-colega da
Universidade de Atlanta chamado George Stampton. Ambos se reconheceram de
pronto, apesar dos vinte e cinco anos que haviam passado desde a época da
faculdade.
Resolveram
jantar num dos restaurantes da região, e Henderson, contrariando seus hábitos
franciscanos, resolveu tomar uma taça de vinho tinto. Stampton trabalhava como
químico no setor de controle de qualidade numa fábrica de biscoitos nos
arredores de Nova York e vinha de vez em quando à cidade para comprar produtos
de laboratório. Estava satisfeito com a vida e com a profissão, mas sabia que
na sua área de atuação jamais alcançaria o sucesso e o renome que o amigo havia
alcançado como músico.
Henderson também
se disse satisfeito, mas pela primeira vez conseguiu desabafar com alguém,
talvez por saber que dificilmente voltaria a vê-lo outra vez: “o mundo artístico é como um vórtice – você gira e gira e nunca sabe onde vai parar”.
Ele frisou que possivelmente se sentiria menos cansado se tivesse tido a
paciência de esperar pelo momento exato de ser farmacêutico, em algum lugar.
Fletcher Henderson
se sentia solitário e era então uma pessoa entristecida, apesar de viver dentro
de um alto padrão.
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Em 1950, Fletcher
Henderson sentiu-se mal e desmaiou em plena Quinta Avenida, seu local favorito
para passear e meditar. Foi diagnosticado um sério problema cardíaco, do qual ele
jamais chegou a se recuperar totalmente. Desanimado e sem forças para reagir e
retomar suas atividades de músico, ele morreu no dia 28 de dezembro de 1952.
Tinha apenas 54 anos.
O professor de
música e pesquisador Jeffrey Magee escreveu a biografia de Fletcher Henderson
no livro “Fletcher Henderson and Big Band Jazz: The Uncrowned King of
Swing” (Fletcher Henderson e o Jazz das Big Bands: O Rei do Swing
que não foi coroado), e comenta as características que fizeram de Henderson
um músico notável escondido dentro de um artista pouco ousado.
Talvez sua melhor
homenagem tenha sido prestada logo nas primeiras páginas, onde Magee afirma que
“...se Benny Goodman foi o ‘Rei do Swing’, Fletcher Henderson foi o homem
que esteve por detrás do trono. Ele contribuiu decisivamente para o sucesso das
carreiras não apenas de Benny Goodman, mas também de Louis Armstrong e de
Coleman Hawkins”.
Nada como um
biógrafo para colocar os fatos históricos no seu devido lugar.
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