O ORGULHO
(Augusto Pellegrini)
O palco da pantomima foi o escritório de
uma poderosa estatal. Os personagens são o diretor geral Doutor Sacramento, a
secretária Dona Júlia e eu, mísero office-boy.
Dona Júlia, um exemplo de dedicação,
levantara aquele dia pisando com o pé esquerdo e num momento de irreflexão teve
uma discordância com o chefe, que era um verdadeiro déspota.
Ele vestiu sua face com o seu olhar mais
satânico e disse num tom tonitruante que pode ser ouvido em todo o andar: “Dona
Júlia, chame o chefe do pessoal e peça para ele contratar uma nova secretária.
E que seja bem rápido!”. Dona Júlia olhou com os olhos arregalados de quem está
sendo despejada da casa e tendo que assinar a sua própria sentença. Aos
cinquenta e alguns anos ela teria que ir à cata de um novo emprego, além de aturar
o sorriso vencedor dos seus inimigos.
Dona Júlia desabou num desmaio que –
comentam – teria sido mais histriônico que neurológico, mas eu me precipitei em
socorrê-la, num ato de cavalheirismo extremo.
Doutor Sacramento passou pelo corpo
inerte e se dirigiu à sua sala como quem estivesse desviando de um cachorro
morto. Bateu a porta com força sem olhar pra trás.
O chefe do pessoal veio e despediu não
somente Dona Júlia por insubordinação, como a mim também, por conivência.
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Nosso reencontro foi dramático.
Quase quinze anos haviam transcorrido. Continuei
meus estudos, e tudo aconteceu numa sequência muito rápida: a graduação, o
mestrado, o doutorado no exterior, o cargo de diretor numa grande empresa
multinacional e a gestão dos negócios da empresa junto ao governo.
Convocado para uma reunião onde seria
decidido o investimento de alguns bilhões de dólares, encontrei-me novamente
com a fera, já meio gasta, os olhos opacos e os poucos cabelos já
definitivamente brancos, embora apresentando o mesmo ar de empáfia e
superioridade, usando na cabeça a mesma coroa de louros – “Ave, Sacramentus!” –
embora invisível.
O encontro se deu no elevador todo
envidraçado em fumê. Ele me reconheceu e fez um muxoxo de desagrado, e este
muxoxo se transformou em espanto quando ele entendeu que caberia a mim a
condução dos negócios, interpelando e orientando a todos naquela enorme mesa de
jacarandá, tendo ao fundo uma pintura de Gainsborough.
Ao fim da reunião, derrotado em todos os
seus argumentos, Sacramento parecia um vaso Ming se fragmentando, um pergaminho
se desfazendo, um frade nu.
Soube que ele morreu um mês depois da
reunião, amaldiçoado pelas pragas solitárias de Dona Júlia agravada por uma
úlcera perfurada – dizem os especialistas.
Outros dizem que Doutor Sacramento
morreu de orgulho ferido.
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