quarta-feira, 15 de setembro de 2021

 


     PÁGINAS ESCOLHIDAS

COISAS (1988)
(Augusto Pellegrini)

TRILOGIA – O ENCONTRO

A água está parada e turva na margem do lago sobre o qual eu me debruço fazendo coreografia com os chorões.
“Cuidado, rapaz, esta imagem que vês ao lado da tua bem pode ser uma sereia, fascinante e bela como as ondas do mar, mas pérfida como os seus abismos”.
Há realmente uma sereia sorrindo para mim no espelho opaco das águas. Os mais lindos olhos, o sorriso mais ameno e os cabelos flutuando ao vento.
Nada mudou, mas agora tenho solidão a dois.
“Encontraste essa deusa na água e te apaixonaste por ela. Cuidado, digo-te mais uma vez, pois a água é mística e os seus mistérios são insondáveis”.
Já somos um casal de mãos entrelaçadas e percorremos o parque entre velhas árvores e ruídos silvestres.
Nossos lábios murmuram palavras que só nossos ouvidos escutam. O dia entardece e entardecemos nós dois. Vem a vontade doida de amar – por que você me fita com esses olhos de amor? – e tudo deixou de ser paz para mim.
Então sorrio – “por que esse sorriso tolo, se a natureza é a tua única companhia? – e tenho como retribuição a tua expressão de enigma.
E aí, caímos em transe.

(Encontro inesperado num fim de tarde, em plena natureza)


 

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