EU
E A MÚSICA - RIO
ANTIGO
(Augusto Pellegrini)
(A
visita do estranho poeta)
Parte
1
“Quero um bate-papo
na esquina
Eu quero o Rio antigo com crianças na calçada
Brincando sem perigo
Sem metrô e sem frescão
O ontem no amanhã...”
(“Rio Antigo” – Nonato Buzar e Chico
Anysio)
De repente o poeta surgiu do nada.
Não me conhecia, foi-me apresentado – “este
é Augusto Pellegrini, faz um programa
de jazz aqui na rádio” – e parece que não prestou muita atenção.
Aliás, a rigor ele dava a impressão de que nunca prestava atenção em nada, pois
seus sentidos estavam mais ligados no irreal, no surreal, no abstrato, de onde
lapidava as suas frases, seus pensamentos e os seus acordes.
Sua filosofia de vida.
O poeta estava triste, havia morrido seu irmão – me contaram – e ele deixara o
habitat que escolhera, a cidade do Rio de Janeiro, para cumprir com seus
deveres fúnebres em São Luís e, depois de fazê-lo, resolveu procurar os amigos.
Como era dia, foi a uma emissora de rádio e depois às ruas do Centro velho;
fosse à noite, talvez os procurasse pelos bares das quebradas.
O poeta não era só poeta, tinha muitas outras atividades misturadas no embornal.
Cantor, compositor e produtor musical, nascido em 1932 no interior do Maranhão
na pequena Itapecuru-Mirim (naquele tempo, muito pequena), Raimundo Nonato
Buzar foi brilhar no Rio, para onde viajou aos 21 anos num verdadeiro mergulho
no meio do desconhecido.
Na verdade, sua intenção era estudar Engenharia, mas a magia envolvente da
Cidade Maravilhosa falou mais alto e ele acabou contagiado pela música, que se
transformou no seu projeto de vida.
Fez seu debut nas noites cariocas
cantando e tocando as suas composições nos bares da moda – Bottle’s e Little
Club – e logo teve o seu talento reconhecido por dezenas de artistas e
frequentadores da noite, e também por proprietários de casas noturnas,
diretores de gravadores e produtores artísticos. E, é claro, também pelo
público que lotava as casas onde ele se apresentava.
Nonato Buzar compôs um total de 162 canções, tanto solo como ao lado de
parceiros como Paulo Sérgio Valle, Ronaldo Bôscoli, Carlos Imperial, Chico
Anysio, Chico Feitosa, Torquato Neto, Nelson Motta, Paulinho Tapajós, Roberto
Menescal, Durval Ferreira, Rosinha de Valença, Orlandivo, Tibério Gaspar, João
Nogueira, Nosly, Gerude ou Rogeryo du Maranhão.
Em nível nacional, teve suas músicas gravadas por Maysa, Alcione, Elis Regina,
Elizeth Cardoso, João Nogueira, Nana Caymmi, Cauby Peixoto, Jair Rodrigues,
MPB4, Wilson Simonal, Silvio César, Erasmo Carlos, Rosinha de Valença, Luiz
Gonzaga, Ivan Lins, Milton Nascimento, Nelson Gonçalves e Ithamara Koorax (cuja
gravação de “Vesti Azul” feita em
2012 num álbum chamado “Got To Be Real”
foi “top ten” na Europa por ocasião
do seu lançamento).
Nonato Buzar também atacou de produtor, sendo responsável na RCA Victor por discos
de Jair Rodrigues, Wilson Simonal, a Turma da Pilantragem, Regininha e Jimmy
Cliff e também por um álbum que registrou o Festival Internacional da Canção,
um concurso de músicas criado por Augusto Marzagão para a TV Globo entre os
anos 1966 e 1972.
Além de ter chegado às paradas europeias com “Vesti Azul”, Nonato compôs um punhado de temas de abertura que se
popularizaram em novelas de televisão – “Verão
Vermelho”, “Irmãos Coragem” (com
Paulinho Tapajós), “O Homem Que Deve
Morrer” (com Torquato Neto), além de outras músicas para as novelas “O Cafona”, “Minha Doce Namorada” e “Anjo
Mau”.
Compôs temas para outros programas de tevê – “Chico City”, “Brasil Pandeiro”,
“Saudade Não Tem Idade” e para filmes
diversos – “O Donzelo” e “Aventuras De Um Detetive Português”.
O poeta, simples como um detalhe da natureza, não era pouca coisa não, mas não
vivia sobre seus louros.
Sujeito estranho, mas simpático, quando chegava ao Maranhão, que era a sua
varanda, desdenhava completamente a aura do sucesso obtido lá fora, e curtia os
bares do Mercado Central e as barracas da Ponta D’Areia com a mesma disposição
que curtia os bares e a praia de Copacabana, cultivando amigos e novos amigos
com o mesmo desprendimento e a mesma afeição.
Nonato Buzar foi então me apresentado, e depois de cinco minutos de conversa
nos corredores da emissora, ele me confidenciou que devido ao seu luto familiar
não se sentia animado para cair na farra quando chegassem as tentações da noite,
pois sabia que se encontrasse a turma da boemia nos bares da vida, a coisa iria
inexoravelmente descambar para tal.
Pediu, então, meu endereço e prometeu me fazer uma visita, para espairecer um
pouco, posto que tinha passagem marcada de volta para o Rio na manhã seguinte.
Passei o endereço e as referências – “aquela
rua do supermercado, na esquina do posto de gasolina, depois de um muro amarelo
cheio de pichações” – e ele anotando tudo mentalmente, sem maiores
problemas, numa cidade que conhecia muito bem.
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