quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

 


A ALIENAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA 

A mudança de conceitos já estabelecidos, quando se fala em arte, sempre foi um objeto de intensa discussão acadêmica.

Ela é responsável pelo aparecimento de novas tendências e pela criação de novas escolas, embora possa, como fonte de experimentos, ocasionar problemas de qualidade.

A história mostra que os conservadores sempre se mantiveram de sobreaviso contra mudanças consideradas agressivas, e que os vanguardistas sempre buscaram impor as suas ideias de renovação, fossem elas boas ou simplesmente inaceitáveis do ponto de vista do bom gosto. Mas as duas correntes, mesmo conflitantes, têm sido responsáveis pela evolução que a música apresentou ao longo dos séculos em todo o mundo.

A renovação bem-sucedida, no entanto, não nasce simplesmente do nada, pois mesmo nas novidades mais extremadas de cada nova tendência, essa tendência é baseada em elementos que já existiam na velha escola.

Esta mudança é dinâmica, e vale para todas as artes.

O que vale também para todas as artes são as conceituações sobre a sua qualidade (ou falta de) e a velha e discutível máxima de que “gosto não se discute”.

As mudanças na forma de expressar a arte se processam de forma cíclica e inevitável, mas a história costuma fazer a sua devida depuração, de modo que o próprio tempo se encarrega de mandar para a lixeira muitas tentativas de conspurcação a fim de reestabelecer uma mínima qualidade artística.

Infelizmente com a música – estou falando da música brasileira – não é bem isso o que está acontecendo. Parece que a depuração está ficando mais lenta.

O grande culpado por esta queda de qualidade é o aumento do consumo – leia-se dinheiro envolvido – por conta da febre mercantilista que leva produtores de shows, programadores de rádio e músicos ávidos pelo sucesso fácil, a investirem maciçamente neste segmento, que é produzido especialmente para que muita gente ganhe fortunas.

Há que se entender, antes de mais nada, que a verdadeira música pode ser expressa apenas pela melodia, pela harmonia e pelo andamento, ou seja, ritmo e letra são meros complementos de beleza.

O sucesso popular de uma música atual, porém, vem via de regra quando a percussão assume um volume insuportável e quando a letra contém apenas grunhidos, exclamações, gritos e obscenidades.

A deterioração da música brasileira começou as poucos nos anos 1990 e a cada década vai se acentuando, num verdadeiro atentado contra a produção celestial de Jobim, Chico, Caetano, Caymmi, Gil, Djavan e João Bosco, apenas para citar alguns, onde música e poesia se completam de forma inequívoca.

A eletrônica e a computação prestaram um grande auxílio à qualidade sonora e às facilidades para gravação, mas os técnicos e produtores exacerbaram e deram a estes recursos um valor acima do necessário. Criou-se um monstro.

Por outro lado, a dança popular e a manifestação do público durante a realização de shows há muito deixaram de ser coisa de gente civilizada, e as grandes festas são apenas mais um motivo para a galera se enturmar e ouvir música em volume ensurdecedor, não importa o tipo de música que estiver tocando. Ensandecidos pelo emburrecimento, pelo álcool e pelas drogas o público está ficando com a mente embotada de tanto ouvir coisa ruim.

Felizmente, como as grandes orquestras sinfônicas, o jazz convencional, a música popular autêntica e a preservação do folclore tradicional teimam em continuar existindo, existe também a tênue esperança de dias melhores para aqueles que ainda lutam, mesmo que aparentemente seja contra moinhos de vento.

Eu, por exemplo, quando faço minhas tertúlias musicais jazzistas e bossanovistas procuro sempre incluir no repertório “standards” americanos como “Autumn Leaves”, “Night and Day”, “Summertme” ou “Unforgettable”, e alguns sambas-canções da época de Dolores Duran, Dick Farney ou Johnny Alf. O resultado tem sido compensador, pois além de satisfazer as pessoas exigentes eu estou conseguindo recuperar alguns ouvintes.

Ah, eu também gosto do velho e bom rock and roll, com o seu volume alto e a sua informalidade organizada levada no balanço distorcido do rhythm & blues, mas este é um outro assunto, objeto de um outro artigo. 

2018         

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