O
FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)
A BUSCA E A FUGA
A noite de São Paulo é quase fria e, a não ser que
seja extremo verão, não se presta para grandes proezas ao ar livre.
Mesmo assim, pleno outono e sob uma árvore bem copada do Restaurante Forte
Apache recém-inaugurado, eu e Eduardo Coutinho Maia tomávamos aquele chopinho
abençoado com um dedo de colarinho enquanto degustávamos tiras de uma pizza de
muçarela especial, azeitando as engrenagens do estômago e do cérebro.
Estávamos planejando mais uma investida no mundo do cinema 16 milímetros, com
Eduardo pedindo um argumento nebuloso a respeito de um sujeito que buscava
alterar as estruturas da sociedade (A Busca) e acabava repelido e escorraçado
por ela (A Fuga).
O filme deveria ser enigmático e cheio de simbolismos, e a sociedade em questão
deveria ser ao mesmo tempo passiva e agressiva. Eu, que fazia as vezes de autor
, roteirista e diretor, que me virasse,
o negócio do Eduardo era a fotografia em preto e branco.
Assim, o garçom trouxe mais dois e um steinheager pra quebrar o gelo enquanto a
ideia, que mais tarde virou argumento, roteiro, decupagem, tomadas de cena e
edição começava a tomar forma.
O friozinho se tornara mais intenso, e eu fiquei em solilóquio com minha caneta
e bloco de anotações na busca incessante de uma verdade que eu não queria
conhecer e da fuga, ainda que tardia, para o meu próprio mundo.
Hoje, faço um aceno em direção ao desconhecido, dedicado ao Eduardo, que eu não
vejo há mais de quarenta anos, posto que ele já morreu.
(Assim começam tantas obras de teatro
e cinema – não necessariamente com frio e chope, mas com muita concentração. E
assim terminam – com muita saudade)
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