domingo, 27 de fevereiro de 2022

                                                                 


                                                           PÁGINAS ESCOLHIDAS

       O FANTASMA DA FM (1992)
(Augusto Pellegrini)

 A BUSCA E A FUGA

A noite de São Paulo é quase fria e, a não ser que seja extremo verão, não se presta para grandes proezas ao ar livre.

Mesmo assim, pleno outono e sob uma árvore bem copada do Restaurante Forte Apache recém-inaugurado, eu e Eduardo Coutinho Maia tomávamos aquele chopinho abençoado com um dedo de colarinho enquanto degustávamos tiras de uma pizza de muçarela especial, azeitando as engrenagens do estômago e do cérebro.

Estávamos planejando mais uma investida no mundo do cinema 16 milímetros, com Eduardo pedindo um argumento nebuloso a respeito de um sujeito que buscava alterar as estruturas da sociedade (A Busca) e acabava repelido e escorraçado por ela (A Fuga).
O filme deveria ser enigmático e cheio de simbolismos, e a sociedade em questão deveria ser ao mesmo tempo passiva e agressiva. Eu, que fazia as vezes de autor , roteirista  e diretor, que me virasse, o negócio do Eduardo era a fotografia em preto e branco.

Assim, o garçom trouxe mais dois e um steinheager pra quebrar o gelo enquanto a ideia, que mais tarde virou argumento, roteiro, decupagem, tomadas de cena e edição começava a tomar forma.
O friozinho se tornara mais intenso, e eu fiquei em solilóquio com minha caneta e bloco de anotações na busca incessante de uma verdade que eu não queria conhecer e da fuga, ainda que tardia, para o meu próprio mundo.

Hoje, faço um aceno em direção ao desconhecido, dedicado ao Eduardo, que eu não vejo há mais de quarenta anos, posto que ele já morreu.

(Assim começam tantas obras de teatro e cinema – não necessariamente com frio e chope, mas com muita concentração. E assim terminam – com muita saudade) 




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