domingo, 6 de março de 2022

 


O TURFEBOL

(Augusto Pellegrini) 

           Há muito tempo, as corridas de cavalos – conhecidas na intimidade como “turfe” – eram muito populares. Os principais jornais do Rio e de São Paulo dedicavam páginas inteiras às corridas que se desenrolavam no Hipódromos da Gávea e de Cidade Jardim, num ambiente de cheio de charme e tensão que juntava a parte plebeia dos apostadores com a alta sociedade local.
            As emissoras de rádio tinham locutores como Ernani Pires Ferreira e Vicente Chieregatti que narravam com emoção as tardes ou noites turfísticas – “Atenção!!! Foi dada a largada...” – com a participação de analistas e repórteres, como manda uma boa transmissão.

            Cavalos como Gualicho, Helíaco, Quiproquó, Adil, Farwell, Tirolesa (esta, uma égua) fizeram a alegria de muita gente, conduzidos por jóqueis vitoriosos da estirpe de Luiz Rigoni, Oswaldo Ulloa e Francisco Irigoyen.

            De repente o turfe se calou. Os jornais deixaram de publicar, as emissoras deixaram de narrar, as pessoas deixaram de acompanhar, e a alegria dos cavalos murchou. O turfe ainda existe, sim, até hoje, mas ninguém faz a menor ideia do que acontece lá dentro, e ninguém se interessa mais com isso.

            Traçando um paralelo com o futebol, as dificuldades que o torcedor tem atualmente para acompanhar os jogos do seu time são imensas. Ele tem que assinar pelo menos meia dúzia de canais alternativos de televisão ou internet, ficar pesquisando na rede para ver onde e se o jogo que ele gostaria de assistir será transmitido, ficar na dependência do sinal para a região onde mora e outras chatices mais ou menos dispendiosas.

             Ir ao estádio, nem pensar, com os ingressos a preço de ouro, aliado a todas as preocupações com os procedimentos sanitários e o risco de sofrer agressões, ter o ônibus ou o carro apedrejado ou ser atirado nos trilhos do metrô se estiver vestindo a camisa do adversário.

            A ganância com que os dirigentes e a mídia estão tratando o futebol está afastando os torcedores, que na falta de ver seu time jogar acaba arrumando outra distração e aos poucos irão dar menos e menos importância a uma coisa que está cada vez mais difícil e cara de ver.

           O chavão é velho, mas vale a pena mencioná-lo: devido à avidez com que querem ganhar cada vez mais e mais, os organizadores – clubes, federações, imprensa patrocinada, empresas de marketing esportivo, emissoras de televisão – vão acabar matando a galinha dos ovos de ouro.

           E transformar nossa diversão das noites de quarta-feira, dos sábados e das tardes de domingo num futuro turfebol.

 

Março 2022   

              

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