ENTRE O JAZZ E O CHORO
(Augusto Pellegrini)
Parte 2
(Trecho do meu livro “AS CORES DO SWING”, estabelecendo uma relação
entre o choro e o jazz. O livro está pronto, e está sendo lançado no site
Facetubes)
A participação do negro na música
popular brasileira foi antiga e decisiva.
A exemplo dos hollers da América, no Brasil se exercitavam os pregões (outra
herança de Portugal), e em contraposição aos spirituals e gospels o
Brasil respondeu com rituais de cunho religioso, de onde surgiram congadas,
maracatus e afoxés – que surpreendentemente deram origem a uma cultura pagã ao desembocarem
nas escolas de samba a partir de 1928.
Muitas pessoas do povo, boa parte deles
negros, se encontravam nas esquinas e nos quintais para fazer música popular já
durante os séculos dezoito e dezenove, antes mesmo que os seus pares americanos
se juntassem para organizar as suas spasm
bands. Estes músicos deram início à organização dos sons e dos ritmos
populares, e sem dúvida anteciparam o que viria a ser, no futuro, a música
popular brasileira.
Estas bandas incipientes eram compostas
por músicos amadores que utilizavam uma grande variedade de instrumentos não
oficiais, muitos deles totalmente fora de propósito – bambus, folhas de metal
retorcidas, troncos de árvores ocos, ossos, chifres, artefatos de cerâmica, pentes,
apitos e flautas rudimentares – que pouco a pouco foram sendo substituídos por
instrumentos de verdade, para chegarem às portas do século vinte relativamente
organizadas em forma de bandas.
Apesar da participação do negro tanto lá
como cá, a distância que separava a música americana da música brasileira no
início do século vinte não era só física, mas também estrutural.
A música americana tomou o caminho do
jazz através de uma série de circunstâncias e de fatores sociais, históricos e
religiosos, como as work songs (canto
que cadenciava o trabalho dos escravos), o lamento profano do blues, a louvação religiosa dos spirituals, as marchas militares, o fim
da guerra civil e da escravidão e – finalmente – o ragtime e toda a influência cosmopolita de Nova Orleans. Ela também
foi influenciada sobremaneira pela a expressão vocal africana e sua escala
musical intuitiva.
Como no Brasil não houve esta mesma
diversidade de fatores, a influência maciça acabou sendo aquela nascida dos
hábitos cultivados em Lisboa e no Rio de Janeiro e da música introduzida pelos
portugueses, como a modinha e a polca. É claro que também houve a influência da
expressão musical africana, mas ela se fez principalmente na forma de ritmo e
pulsação.
Foi dos portugueses que recebemos todo
um embasamento harmônico e tonal, além dos instrumentos europeus populares mais
característicos, como o piano, o bandolim (que se derivou para o cavaquinho), o
violão, e em menor escala o contrabaixo, o clarinete e o violino.
Dos portugueses também adquirimos a
noção de síncope, harmonia e composição. Estes elementos, com a adição do
pandeiro originário da Espanha e do batuque peculiar criado pela junção do
índio e do negro, deram à nossa música popular a identidade que faltava,
fazendo surgir a “música dos barbeiros” ou “dos alfaiates” – pontos onde os músicos
se reuniam para tocar – o que seria responsável pelo aparecimento do choro.
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