À
NOITE, TODOS OS GATOS (1998)
(Augusto Pellegrini)
CONTRANEXO
Tomar licor de maçã no Restaurante do Dante é apenas
parte da minha provação. Na falta de um Virgilio, tento conversar com um velho
que percebi ser meio surdo, e lhe ofereço um conhaque de alcatrão, que ele
sorve aos pequenos sorvos.
Depois de algumas perguntas e respostas desencontradas, desisti de fazer do
velho o meu parceiro nesta viagem e decido agora que o gato que se enrosca na
cadeira de palha trançada seja o meu Cérbero, parte felino e parte mulher, pois
me lembra Rebeca, a mulher inesquecível.
Já passam de duas da manhã, peço mais uma dose de licor – a última, por favor –
e o licor me vem junto com a conta com cheiro de peixe defumado.
Um cachorro insiste em latir para as almas do outro mundo que espantam a
madrugada, o gato insiste em dormir e o licor já está com gosto de chá de ervas
com aguardente, um santo remédio para a rouquidão, uma explosão no esôfago, e
depois tome boldo – baldes de boldo – de preferência do Chile, onde o boldo é
mais puro assim como o uísque na Escócia, sem gosto de iodo, vinho de sorgo,
vinho do sogro, marca Valdevino.
Dante me faz um ultimo favor e me acompanha até a soleira da porta, o mármore já
gasto, para ter certeza de que vou mesmo embora, dou um derradeiro adeus para o
gato e já não vejo o fantasma de Rebeca ao lado dele.
O gato se espreguiça como um ponto de interrogação, ao mesmo tempo em que o
ruído da porta de enrolar atravessa a noite como uma facada, me olhando com o
olhar de boa noite que só os gatos sabem ter.
(Um passeio pelo Inferno de Dante no
início da madrugada)
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