Do
livro À NOITE, TODOS OS GATOS (1998)
(Augusto Pellegrini)
A JUSTA
ENTRE O ZÉ DA ROSINHA E O MAL-AFAMADO AGOSTINHO
Agostinho possuía aquela qualidade indispensável a
qualquer escroque que tenha a intenção de subir na vida: era melífluo como um
duende, insinuante como uma cobra, magnetizante como um prestidigitador e
popular como um artista da moda, e isto servia de atenuante para eventuais
trambiques, trapaças ocasionais ou esquecimentos lucrativos.
No bar do Hilário, o caderno de fiado já desfiava páginas de um pendura alimentado
pela candura dos argumentos, e todos vão entrando na sua história como Pilatos
no Credo enquanto os números se confrontavam no “deve-haver”.
Tudo corria aparentemente sob controle, a pequena cidade de Catolé se
movimentando lógica como uma máquina, a noite sempre chegando após o dia, os
esgotos destratados correndo para o rio, Hilário envelhecendo civilizadamente
como as suas piadas, o Padre Rolho engordando a olhos vistos, assim como a
filha do Zé Açougueiro um mês depois do seu casamento, para a desconfiança de
Inácio, o obstetra, e de Dona Jovina, a dos chazinhos contra o nó nas tripas.
O bonde andava em cima dos trilhos – ou andaria, se bonde houvesse – os intestinos
funcionavam regularmente, o relógio da igreja atrasava o seu minute diário
regulamentar, o coveiro andava preguiçoso por falta de clientes e até as
peraltices do Agostinho não passavam de pura traquina, quando de repente
irrompeu o vendaval.
O ar ficou irrespirável, o relógio desandou a atrasar quinze minutos por hora,
Zé Açougueiro entendeu todo o drama, o céu se toldou de chumbo e a cidade
entrou em convulsão, jogando o bonde para fora dos trilhos.
Roubaram a viola do Zé da Rosinha.
(Pano de fundo para mais uma
traquinagem do mal-afamado Agostinho)
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