sexta-feira, 13 de maio de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

Do livro À NOITE, TODOS OS GATOS (1998)
(Augusto Pellegrini)

A JUSTA ENTRE O ZÉ DA ROSINHA E O MAL-AFAMADO AGOSTINHO

Agostinho possuía aquela qualidade indispensável a qualquer escroque que tenha a intenção de subir na vida: era melífluo como um duende, insinuante como uma cobra, magnetizante como um prestidigitador e popular como um artista da moda, e isto servia de atenuante para eventuais trambiques, trapaças ocasionais ou esquecimentos lucrativos.

No bar do Hilário, o caderno de fiado já desfiava páginas de um pendura alimentado pela candura dos argumentos, e todos vão entrando na sua história como Pilatos no Credo enquanto os números se confrontavam no “deve-haver”.

Tudo corria aparentemente sob controle, a pequena cidade de Catolé se movimentando lógica como uma máquina, a noite sempre chegando após o dia, os esgotos destratados correndo para o rio, Hilário envelhecendo civilizadamente como as suas piadas, o Padre Rolho engordando a olhos vistos, assim como a filha do Zé Açougueiro um mês depois do seu casamento, para a desconfiança de Inácio, o obstetra, e de Dona Jovina, a dos chazinhos contra o nó nas tripas.

O bonde andava em cima dos trilhos – ou andaria, se bonde houvesse – os intestinos funcionavam regularmente, o relógio da igreja atrasava o seu minute diário regulamentar, o coveiro andava preguiçoso por falta de clientes e até as peraltices do Agostinho não passavam de pura traquina, quando de repente irrompeu o vendaval.

O ar ficou irrespirável, o relógio desandou a atrasar quinze minutos por hora, Zé Açougueiro entendeu todo o drama, o céu se toldou de chumbo e a cidade entrou em convulsão, jogando o bonde para fora dos trilhos.

Roubaram a viola do Zé da Rosinha.      
 

(Pano de fundo para mais uma traquinagem do mal-afamado Agostinho) 




 

 

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