segunda-feira, 7 de novembro de 2022

 


PÁGINAS ESCOLHIDAS

De um livro de contos que ainda não foi publicado
(Augusto Pellegrini)

O ATOR

A exibição de O Defunto Virgem foi repentinamente interrompida por três tiros de revólver disparados no peito do desditoso diretor Benito Rubaloca, disparados por sua mulher Ignes Rubaloca num acesso de ciúme, diante de algumas dúzias de testemunhas – atores e público – conforme constou nas manchetes dos jornais do dia seguinte e no boletim de ocorrência lavrado na delegacia horas depois do crime.
            A atriz e motivação do crime Dorotéa Vaughan trancou-se no banheiro e só foi de lá retirada quatro horas depois pelo servente do teatro, muito lívida e balbuciante, após a polícia ter levado madame Rubaloca – que depois do terceiro tiro não se preocupou em se livrar do flagrante e prostrou-se sentada numa cadeira esperando pelo seu inexorável destino.
            Dias depois, passado o susto, Dorotéa aproveitou para tirar vantagem do desditoso episódio e foi se expor em um programa da televisão marrom – para mais tarde contracenar um filme B onde expôs a sua natureza nua e crua para faturar o equivalente a cinco anos de apresentação no Teatro Aliança. No filme, sua beleza estática e sua falta de talento não chegaram a ser problema.
             Timóteo, o diretor-assistente, saiu de circulação, e a última vez que foi visto vendia frutas na feira, também sem exibir o menor talento.
             Rubaloca, o pivô da questão, teve enfim seu nome eternizado no Diário de Notícias como sempre fora o seu desejo, muito embora na página policial.
             Quanto a mim, desde então sou um mais um personagem da vida real à procura de uma persona no palco, saudoso do camarim que guarda aquele silêncio que antecede o espetáculo e daquele calafrio que antecipa a entrada triunfante no palco.
              E, na falta de um Tennessee Williams para produzir um texto, sigo à espera de um aprendiz para escrever as minhas falas.

 

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