PÁGINAS
ESCOLHIDAS
De um livro de contos que ainda não foi publicado
(Augusto Pellegrini)
O
ATOR
A
exibição de O Defunto Virgem foi repentinamente interrompida por três tiros de
revólver disparados no peito do desditoso diretor Benito Rubaloca, disparados por
sua mulher Ignes Rubaloca num acesso de ciúme, diante de algumas dúzias de
testemunhas – atores e público – conforme constou nas manchetes dos jornais do
dia seguinte e no boletim de ocorrência lavrado na delegacia horas depois do
crime.
A atriz e motivação do crime Dorotéa
Vaughan trancou-se no banheiro e só foi de lá retirada quatro horas depois pelo
servente do teatro, muito lívida e balbuciante, após a polícia ter levado madame
Rubaloca – que depois do terceiro tiro não se preocupou em se livrar do
flagrante e prostrou-se sentada numa cadeira esperando pelo seu inexorável destino.
Dias depois, passado o susto,
Dorotéa aproveitou para tirar vantagem do desditoso episódio e foi se expor em
um programa da televisão marrom – para mais tarde contracenar um filme B onde
expôs a sua natureza nua e crua para faturar o equivalente a cinco anos de
apresentação no Teatro Aliança. No filme, sua beleza estática e sua falta de
talento não chegaram a ser problema.
Timóteo, o
diretor-assistente, saiu de circulação, e a última vez que foi visto vendia
frutas na feira, também sem exibir o menor talento.
Rubaloca, o pivô da questão,
teve enfim seu nome eternizado no Diário de Notícias como sempre fora o seu
desejo, muito embora na página policial.
Quanto a mim, desde então sou um mais um
personagem da vida real à procura de uma persona
no palco, saudoso do camarim que guarda aquele silêncio que antecede o
espetáculo e daquele calafrio que antecipa a entrada triunfante no palco.
E, na falta de um Tennessee
Williams para produzir um texto, sigo à espera de um aprendiz para escrever as
minhas falas.
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