A TECNOLOGIA E A
DISCIPLINA
Na maioria dos esportes coletivos existe
um enorme descompasso entre os praticantes – no caso os jogadores e os técnicos
– e os que fazem cumprir o regulamento – no caso a arbitragem.
O futebol parece ser o recordista de
mostras de indisciplina e, independentemente da importância do jogo, todos os
vinte e dois jogadores, o banco de reservas e a comissão técnica já entram no
campo da luta predispostos a reclamar, insultar e discordar das medidas tomadas
pelo mediador, sejam elas certas ou erradas.
Muitas vezes o técnico perde um precioso
tempo que poderia ser usado para analisar erros, corrigir defeitos ou orientar
seus jogadores a adotar uma postura diferente. Esse tempo é usado para massacrar
o árbitro, se agitando o tempo todo e gritando palavras de ordem (ou de
desordem, no caso dos palavrões).
É interessante que o que é aceitável e
válido para o seu time – faltas violentas sem aplicação de cartões,
malandragem, cera, cotoveladas veladas, bola na mão e mão na bola – é visto
como um crime passível de pena de morte se for praticado pelo adversário.
A cada falta – recurso permitido dentro
da partida e sujeito à interpretação a critério do apitador – todo o time cerca
o juiz com o dedo em riste, fazendo gestos pouco corteses e carrancas pouco
amistosas enquanto tecem palavras nada elogiosas que numa situação normal do
dia a dia provocaria uma imediata reação física por parte do ofendido.
O mesmo ocorre no catimbado basquete e
até no educado voleibol, onde a conduta do árbitro é facilitada pela falta de
contato físico entre os atletas.
É claro que o árbitro não é nenhum anjo,
e já foi aqui criticado diversas vezes por assinalações duvidosas que mostram
despreparo técnico, desconhecimento de regras (não é a mesma coisa), falta de
condição física, interpretação errada, má orientação dos auxiliares, covardia e
medo de enfrentar a ira da torcida ou até pura e simples desonestidade.
Talvez esta falta de critério e a
inexistência de um comando firme de uma Comissão de Arbitragem ou de uma
Federação tenha levado torcedores, dirigentes, técnicos e jogadores a este
estado de descrédito que provoca o linchamento moral destes homens que têm a
função de arbitrar dúvidas e demandas e de mediar conflitos.
No futebol, são 15 as regras que administram
a sua prática, desde as que determinam as dimensões do campo de jogo e as
características da bola até aquelas cuja aplicação pode efetivamente irritar os
envolvidos, e que dizem respeito à bola em jogo e fora de jogo, gol marcado,
impedimento, faltas e incorreções, tiros livres, tiro penal, arremesso lateral,
tiro de meta e tiro de canto. E à aplicação de cartões.
É claro que a missão dos árbitros
poderia ser facilitada se a Fifa adotasse a tecnologia como ponto de apoio, mas
seus dirigentes continuam virando as costas para estas conquistas.
Perguntado sobre isso ainda durante o
seu mandato, João Havelange disse que “o futebol perderia a sua graça se a
tecnologia fosse adotada, pois uma das coisas que encantam no jogo é exatamente
a apaixonante discussão sobre a dúvida” (sic!).
Seu sucessor Joseph Blatter deu outra
explicação: para ele não faria sentido implantar uma regra tecnológica que iria
beneficiar apenas os grandes centros ou os grandes espetáculos e deixar em
aberto as partidas de menor expressão. É mais ou menos como tirar o
policiamento de alguma região crítica porque a polícia não tem efetivo suficiente
para abranger outras áreas da cidade, ou como privar um pronto-socorro de um
equipamento de ponta porque outros congêneres não poderiam tê-lo.
É interessante notar que o esporte
favorito dos americanos, o American Football, tido como viril e violento pela
visão latino-americana, é dirigido e disciplinado por sete árbitros que anunciam as suas decisões por meio de 47
gestos diferentes feitos para todos os presentes no estádio, e os jogadores não
fazem nenhum motim para contestar a marcação. A tecnologia lá também é
utilizada há muito tempo e segue sendo aperfeiçoada.
Fosse no Brasil e teríamos uma revolução
a cada jogo.
(Artigo publicado no caderno de Esportes do
jornal O Imparcial de 16/09/2016)
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