CALAMIDADE DUPLA
Terminaram afinal os Jogos
Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro trazendo um saldo positivo em termos
esportivos e preservando incólume a imagem da Cidade Maravilhosa.
A competição, que nas
vésperas havia projetado uma feição carrancuda, acabou saindo a contento, sem
ocorrências desagradáveis marcantes, nada além do que pode acontecer numa
ocasião festiva dentro de uma cidade de mais de 6 milhões de habitantes que
recebeu um reforço populacional de 500 mil turistas.
Os nossos atletas e
paratletas tiveram um desempenho dentro do esperado, com vantagem para os
últimos, que ficaram em 8º lugar e beliscaram 72 medalhas (14 de ouro) contra
um 13º lugar (7 medalhas de ouro, 14 no total) dos atletas sem deficiência
física.
Se no campo comportamental e
esportivo as coisas não merecem muitos reparos, o mesmo infelizmente não se
pode dizer do estado agonizante em que se encontra a cidade do Rio de Janeiro,
agravado exatamente porque se comprometeu a fazer uma festa de gente rica em
casa de gente pobre.
A urbe convive com um alto
índice de tráfico de drogas (o mais alto do Brasil), tem sérios problemas com a
saúde pública e com o saneamento, enfrenta atraso no pagamento de salários do
funcionalismo público e está financeiramente totalmente fora de controle. O
déficit do estado é o maior do país e chega a 19 bilhões de reais, e o estado
se encontra sob o regime de calamidade pública, decretado pelo governo estadual
desde 49 dias antes do início das Olimpíadas.
O governo federal injetou 2,9
bilhões de reais na realização dos Jogos, que tiveram um custo total de 48
bilhões, incluindo aí a construção de toda a estrutura necessária e obrigatória
para o sucesso do empreendimento e a infraestrutura necessária, legada para a
cidade, ciclovias e poluição à parte.
A cidade ficou linda, mas
boa parte da população teria ficado mais feliz se o dinheiro tivesse sido
destinado para colocar hospitais, escolas e prontos-socorros públicos em pleno
funcionamento, por exemplo, do que participar das megafestas de abertura e
encerramento ou ouvir o Hino Nacional a cada ouro alcançado.
Como se não bastasse a morte
lenta de uma cidade símbolo, os Jogos Olímpicos serviram também para assassinar
o vernáculo ao denominar o segundo evento da série como Jogos Paralímpicos.
A fim de uniformizar o nome
e torná-lo semelhante aos países de língua estrangeira – “paralympics” em
inglês, “paralympiques” em francês, “paralimpici” em italiano, e por aí vai –
os países de língua portuguesa, ou seja, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e, é claro, Portugal, inventaram
uma palavra que não consta de nenhum dicionário, passando por cima da
etimologia (parte da gramática que trata da história ou origem das palavras). E
o Brasil entrou no mesmo barco.
A origem do termo
“paralímpico” vem do inglês, que misturou a primeira parte da palavra “paraplegic”
com a palavra “olympics”, se esquecendo obviamente de que os atletas com
deficiência que participam dos jogos não são apenas paraplégicos.
Em português, o correto
seria seguir a regra que define o uso do prefixo grego “para”, que indica
semelhança, proximidade ou intensidade (como por exemplo nas palavras
“paralelo”, “parasita”, “paradigma”, “paradoxo” ou “paranormal”). Jogos
Paraolímpicos significaria “tão intenso como os Jogos Olímpicos e muito
semelhantes a eles”.
Até 2011 o Brasil optava por
“paraolímpicos”, que seria a forma correta de grafar a palavra. “Paralímpicos”,
usados a partir de 2012, está errado por princípio, pois na junção de “para”
com qualquer palavra é incomum a supressão da primeira letra da segunda
palavra.
Faz algum tempo que o
brasileiro está tendo que suportar a mutilação do vernáculo por motivos
absolutamente sem sentido, seja gramatical seja semântico.
“Última flor do Lácio,
inculta e bela”!
Durante algum tempo tivemos
que suportar o termo “presidenta” devido a uma espécie de insistência oficial –
felizmente não fomos obrigados por lei a assumir tal descalabro – e agora vemos
surgir de além-mar uma determinação que pelo menos a mim afeta profundamente,
violando a linguística que serve de norte para os meus textos e para a minha
leitura.
Tomara que pare por aí.
(Artigo
publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 23/09/2016)
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