segunda-feira, 23 de janeiro de 2017







Esta poesia foi escrita tendo como base o conto "Contranexo", publicado no livro "À noite, todos os gatos" (1998). Depois de ler o conto o leitor irá entender melhor o clima do poema. O conto, um pouco longo, talvez, será publicado oportunamente. 



LICOR DE MAÇÃ

À noite, bebo a tua imagem distorcida,
a  ninfo-bela imagem espectro gestual.
O cálice rubro e multifacetado
guarda o licor com sabor de guardado,
de maçã argentina, marca popular.

Então tu me acompanhas, na mente explodida,
na mente explosiva, na lembrança torta.
O cálice vítreo e multirrefletido
guarda o licor com a cor do teu vestido,
a cor da tua nudez, sem frente ou costa.

Retiro-me a este canto do quarto vazio,
vou vago e sonolento tropeçando em passos.
No espelho oval, de fundo descascado,
tento me ver de frente, embora veja o lado
da colcha rendada, que lembra os teus cachos.

Já é madrugada, e por mais que me afagues,
extravasando vens, de luz e som.
Bijuterias, perfumes, badulaques,
colcha amassada, teus pés, tuas mãos,
chuvisco na tela da televisão.

Olhos fechados, cortina de rubro,
calor me inflama, agora me descubro,
vendo no espelho o teu corpo curvado.
Luzes se acendem, lâmpadas apagam,
e eu me virando em brasas, na busca do teu lado.

Relógio digital apita, repete e cricrila,
ainda é madrugada ou já é de manhã?
Só, no meu quarto, procuro por teu tato,
guardo vontades, coçando as axilas,
amarga a boca, licor de maçã.

É madrugada, e por mais que me faltes,
pastosa língua e pegajosas mãos.
ainda que me afagues sigo como morto,
como anjo torto de alucinação,
teu corpo suado, licor de maçã.



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