DESVENTURAS DE UM FIM DE TARDE
(primeira parte do conto)
A maré baixa
colocava o mar lá na lonjura, e uma imensa faixa de areia úmida separava a água
esverdeada – que no momento se apresentava tranquila, parecendo uma imensa lagoa
– dos bares rústicos de madeira construídos sobre a duna.
O céu totalmente azul dispensava qualquer nesga de nuvem, e o sol assoprava o seu bafo quente sobre a pictórica paisagem tropical.
Espalhados pela areia podiam ser vistos pequenos restos de coisas que o mar havia vomitado antes de começar o seu recuo, num fenômeno que se repetia a cada dia por incontáveis séculos.
A orla estava quase deserta – afinal era uma terça-feira, três horas da tarde – e poucos boas-vidas tinham tempo para se aventurar a uma caminhada na praia ou a um instante de lazer debaixo daquela quase brisa que soprava para reduzir o calor. Algumas crianças aproveitavam a calmaria da orla para brincar, acompanhadas por senhoras maduras com cara de avó. Um ou outro cachorro exercitava sua corrida pouco olímpica à cata de gravetos atirados pelos guris. Um velho senhor fazia meias flexões até onde sua coluna dorsal podia aguentar.
O bar da praia também estaria vazio, não fossem as presenças de um casal que trocava confidências numa mesa distante e de dois inseparáveis amigos, que tendo chegado àquele paraíso ainda pela manhã enfileiravam sobre e sob a mesa uma quantidade razoável de garrafas de cervejas.
Zé Maria era um bancário aposentado que há tempos convencera sua mulher que, por determinação médica, necessitava de caminhadas na praia pelo menos duas vezes por semana – e o fazia religiosamente todas as terças e quintas-feiras, sob a supervisão do próprio médico, chamado Parmênio, também aposentado.
Zé Maria também costumava fazer pelo menos uma caminhada diária até a padaria próxima da sua casa com a missão sagrada de abastecer a família com o pão de cada dia, e em lá estando aproveitava para abrir duas ou três latinhas do seu ouro líquido, o qual emborcava em menos de dez minutos. Ele considerava fundamental este aquecimento diário – embora gelado – para manter a forma.
Seu companheiro de mesa no bar da praia era exatamente o seu antigo clínico geral, que às vezes Zé Maria chamava enfaticamente de doutor Parmênio, em homenagem à sua vida hipocrática pregressa. Parmênio costumava dizer que a melhor cura para o estresse, esta inconveniência moderna que pouco a pouco vai minando a nossa capacidade vital, era espairecer e conversar com amigos, de preferência fora do ambiente doméstico, quebrando a tensão com uma cerveja gelada e deixando os problemas do lado de fora do bar.
A cumplicidade dos dois amigos era, portanto, filosófica e fortemente sedimentada em cevada e lúpulo, e uma amizade fermentada dessa forma só podia fortalecer.
Quanto à caminhada, o doutor fazia questão de acompanhar diligentemente o seu paciente, e ambos percorriam a pé cerca dos trezentos metros desde o local onde estacionavam os seus respectivos carros até o bar que normalmente lhes servia de santuário, pois não havia meio de entrar na praia conduzindo os veículos.
Eles costumavam fazer seu ponto de encontro na Barraca do Agenor, mas uma desavença ocorrida na última semana por causa da contagem das garrafas fez com que eles se mudassem para outro bar um pouco mais distante – o Cantinho do Ernesto – tendo que estacionar em outro lugar e caminhar talvez alguns cem metros a mais, “o que era bom para a saúde”, de acordo com o competente Parmênio.
O céu totalmente azul dispensava qualquer nesga de nuvem, e o sol assoprava o seu bafo quente sobre a pictórica paisagem tropical.
Espalhados pela areia podiam ser vistos pequenos restos de coisas que o mar havia vomitado antes de começar o seu recuo, num fenômeno que se repetia a cada dia por incontáveis séculos.
A orla estava quase deserta – afinal era uma terça-feira, três horas da tarde – e poucos boas-vidas tinham tempo para se aventurar a uma caminhada na praia ou a um instante de lazer debaixo daquela quase brisa que soprava para reduzir o calor. Algumas crianças aproveitavam a calmaria da orla para brincar, acompanhadas por senhoras maduras com cara de avó. Um ou outro cachorro exercitava sua corrida pouco olímpica à cata de gravetos atirados pelos guris. Um velho senhor fazia meias flexões até onde sua coluna dorsal podia aguentar.
O bar da praia também estaria vazio, não fossem as presenças de um casal que trocava confidências numa mesa distante e de dois inseparáveis amigos, que tendo chegado àquele paraíso ainda pela manhã enfileiravam sobre e sob a mesa uma quantidade razoável de garrafas de cervejas.
Zé Maria era um bancário aposentado que há tempos convencera sua mulher que, por determinação médica, necessitava de caminhadas na praia pelo menos duas vezes por semana – e o fazia religiosamente todas as terças e quintas-feiras, sob a supervisão do próprio médico, chamado Parmênio, também aposentado.
Zé Maria também costumava fazer pelo menos uma caminhada diária até a padaria próxima da sua casa com a missão sagrada de abastecer a família com o pão de cada dia, e em lá estando aproveitava para abrir duas ou três latinhas do seu ouro líquido, o qual emborcava em menos de dez minutos. Ele considerava fundamental este aquecimento diário – embora gelado – para manter a forma.
Seu companheiro de mesa no bar da praia era exatamente o seu antigo clínico geral, que às vezes Zé Maria chamava enfaticamente de doutor Parmênio, em homenagem à sua vida hipocrática pregressa. Parmênio costumava dizer que a melhor cura para o estresse, esta inconveniência moderna que pouco a pouco vai minando a nossa capacidade vital, era espairecer e conversar com amigos, de preferência fora do ambiente doméstico, quebrando a tensão com uma cerveja gelada e deixando os problemas do lado de fora do bar.
A cumplicidade dos dois amigos era, portanto, filosófica e fortemente sedimentada em cevada e lúpulo, e uma amizade fermentada dessa forma só podia fortalecer.
Quanto à caminhada, o doutor fazia questão de acompanhar diligentemente o seu paciente, e ambos percorriam a pé cerca dos trezentos metros desde o local onde estacionavam os seus respectivos carros até o bar que normalmente lhes servia de santuário, pois não havia meio de entrar na praia conduzindo os veículos.
Eles costumavam fazer seu ponto de encontro na Barraca do Agenor, mas uma desavença ocorrida na última semana por causa da contagem das garrafas fez com que eles se mudassem para outro bar um pouco mais distante – o Cantinho do Ernesto – tendo que estacionar em outro lugar e caminhar talvez alguns cem metros a mais, “o que era bom para a saúde”, de acordo com o competente Parmênio.
(a segunda parte será publicada depois)
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