sábado, 1 de julho de 2017



CARTOLA F.C.

A Rede Globo de Televisão, através do seu Departamento de Marketing, deu início há algum tempo a uma campanha visando alavancar a audiência da emissora explorando o prosaico futebol, e para tal criou uma espécie de site de apostas chamado Cartola F.C.
Através deste sistema, que eles preferem chamar de “fantasy game”, o apostador escala o seu time perfeito com os jogadores existentes no campeonato em curso (atualmente o Campeonato Brasileiro) e disputa prêmios em dinheiro com os seus amigos e milhares de outras pessoas que se dizem entender de futebol.
Os jogadores escalados pelo apostador vão recebendo uma pontuação ao longo do certame para que no final possa ser eleita a seleção e o craque do campeonato (para quem aprecia o futebol como entretenimento deve ser muito maçante ficar acompanhando estatísticas do jogo, mas cada um se diverte como quer).
A premiação não representa na verdade muito dinheiro, e talvez seja mais importante para o apostador ver o seu time – que no game é montado com jogadores de diversas equipes – ser o melhor pontuado ao término da competição do que ficar milionário. Para ter direito a acessar o Cartola F.C. e concorrer a todas essas maravilhas basta investir a módica quantia de R$ 5,70 por mês.
O game gera, porém, algumas incongruências. A necessidade de pontuar pode fazer com que o apostador torça para um adversário do seu time de coração e assim fica em aberto um evidente conflito de interesses, pois a fome de ganhar dinheiro – e poder – se sobrepõe ao esporte.
Os riscos são evidentes. Repórteres confidenciam que determinados jogadores confessam que deixaram de disputar uma bola com o risco de cometerem uma jogada faltosa e “perder pontos no Cartola”. Outros admitem que deixaram de tentar um lançamento longo para um companheiro bem posicionado com medo de errar e – de novo! – perder pontos no famigerado game.
Assim, chegamos ao ponto em que um simples game começa a mexer negativamente com o transcorrer e com o resultado de jogos. Isso porque jogadores e parentes e amigos de jogadores também jogam.
A pontuação do Cartola F.C. abrange todo e qualquer aspecto técnico e numérico de uma partida: erros e acertos de passes, chutes a gol, gols marcados, gols evitados, faltas cometidas, cartões recebidos, e por aí vai, o que leva o comentarista a imaginar o que passa pela cabeça de um atleta-apostador na expectativa de acumular pontos.
A história tem mostrado o quão negativa tem sido a participação (talvez fosse mais adequado dizer ingerência) das apostas na lisura esportiva de uma disputa travada no campo de jogo.
Em 1974 foi descoberto um esquema criminoso de manipulações de resultados no Sul do país para facilitar as premiações da Loteria Esportiva a partir do Teste 190, o que seria denunciado pela revista Placar em 1982 através dos jornalistas Juca Kfouri e Sergio Martins.
 Um radialista esportivo chamado Flavio Moreira, que trabalhava para a agência Sport Press, onde fazia levantamentos e tabulações sobre os resultados dos jogos, se oferecia como intermediário da corrupção para que times “entregassem o jogo” para um vencedor improvável de modo que apostadores pudessem se beneficiar. O escândalo foi investigado e levado a público pela revista, o que resultou em 125 pessoas arroladas como suspeitos ou testemunhas.
Ninguém foi processado, mas houve um grande número de pessoas que ganharam sistematicamente e que se tornaram na prática apostadores profissionais, chegando a movimentar na época uma fortuna de cruzeiros em premiações fraudulentas.
Em 1980, na Itália, aconteceu um fato semelhante, chamado de “Totonero - O Escândalo do Totocalcio”, mas lá aconteceram prisões, suspensões e rebaixamentos. O caso mais emblemático foi o jogador Paolo Rossi, suspenso por três anos e posteriormente indultado para que pudesse disputar a Copa do Mundo de 1982. Acabou se transformando em herói nacional ao marcar os três gols que eliminaram o Brasil e depois ao participar da conquista do título diante da Alemanha Ocidental. 
Problemas de apostas milionárias e de prêmios milionários têm sido comuns também em outros esportes e em outros países, e parece que eliminar os fatores negativos das apostas é uma coisa impensável, pois o homem é um animal predatório que sempre elegeu a corrupção, em suas diversas dimensões, como uma forma de alcançar os seus objetivos.
É necessário, porém, neste momento em que se cogita a reabertura dos cassinos e a liberação dos jogos em todo o território nacional, que alguma fiscalização venha ser exercida para coibir as ilegalidades. E que a Rede Globo de Televisão repense o formato do seu game para evitar danos maiores à credibilidade do futebol no Brasil.
  

 (Artigo publicado no caderno de Esportes do jornal O Imparcial de 01/07/2017)





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