CARTOLA F.C.
A Rede Globo de Televisão, através do
seu Departamento de Marketing, deu início há algum tempo a uma campanha visando
alavancar a audiência da emissora explorando o prosaico futebol, e para tal criou
uma espécie de site de apostas chamado Cartola F.C.
Através deste sistema, que eles preferem
chamar de “fantasy game”, o apostador escala o seu time perfeito com os
jogadores existentes no campeonato em curso (atualmente o Campeonato
Brasileiro) e disputa prêmios em dinheiro com os seus amigos e milhares de
outras pessoas que se dizem entender de futebol.
Os jogadores escalados pelo apostador
vão recebendo uma pontuação ao longo do certame para que no final possa ser
eleita a seleção e o craque do campeonato (para quem aprecia o futebol como
entretenimento deve ser muito maçante ficar acompanhando estatísticas do jogo,
mas cada um se diverte como quer).
A premiação não representa na verdade muito
dinheiro, e talvez seja mais importante para o apostador ver o seu time – que no
game é montado com jogadores de diversas equipes – ser o melhor pontuado ao
término da competição do que ficar milionário. Para ter direito a acessar o
Cartola F.C. e concorrer a todas essas maravilhas basta investir a módica
quantia de R$ 5,70 por mês.
O game gera, porém, algumas
incongruências. A necessidade de pontuar pode fazer com que o apostador torça
para um adversário do seu time de coração e assim fica em aberto um evidente conflito
de interesses, pois a fome de ganhar dinheiro – e poder – se sobrepõe ao
esporte.
Os riscos são evidentes. Repórteres
confidenciam que determinados jogadores confessam que deixaram de disputar uma
bola com o risco de cometerem uma jogada faltosa e “perder pontos no Cartola”.
Outros admitem que deixaram de tentar um lançamento longo para um companheiro
bem posicionado com medo de errar e – de novo! – perder pontos no famigerado
game.
Assim, chegamos ao ponto em que um simples
game começa a mexer negativamente com o transcorrer e com o resultado de jogos.
Isso porque jogadores e parentes e amigos de jogadores também jogam.
A pontuação do Cartola F.C. abrange todo
e qualquer aspecto técnico e numérico de uma partida: erros e acertos de
passes, chutes a gol, gols marcados, gols evitados, faltas cometidas, cartões
recebidos, e por aí vai, o que leva o comentarista a imaginar o que passa pela cabeça
de um atleta-apostador na expectativa de acumular pontos.
A história tem mostrado o quão negativa
tem sido a participação (talvez fosse mais adequado dizer ingerência) das
apostas na lisura esportiva de uma disputa travada no campo de jogo.
Em 1974 foi descoberto um esquema
criminoso de manipulações de resultados no Sul do país para facilitar as
premiações da Loteria Esportiva a partir do Teste 190, o que seria denunciado
pela revista Placar em 1982 através dos jornalistas Juca Kfouri e Sergio
Martins.
Um radialista esportivo chamado Flavio
Moreira, que trabalhava para a agência Sport Press, onde fazia levantamentos e
tabulações sobre os resultados dos jogos, se oferecia como intermediário da
corrupção para que times “entregassem o jogo” para um vencedor improvável de
modo que apostadores pudessem se beneficiar. O escândalo foi investigado e levado
a público pela revista, o que resultou em 125 pessoas arroladas como suspeitos
ou testemunhas.
Ninguém foi processado, mas houve um
grande número de pessoas que ganharam sistematicamente e que se tornaram na
prática apostadores profissionais, chegando a movimentar na época uma fortuna
de cruzeiros em premiações fraudulentas.
Em 1980, na Itália, aconteceu um fato
semelhante, chamado de “Totonero - O Escândalo do Totocalcio”, mas lá
aconteceram prisões, suspensões e rebaixamentos. O caso mais emblemático foi o
jogador Paolo Rossi, suspenso por três anos e posteriormente indultado para que
pudesse disputar a Copa do Mundo de 1982. Acabou se transformando em herói
nacional ao marcar os três gols que eliminaram o Brasil e depois ao participar
da conquista do título diante da Alemanha Ocidental.
Problemas de apostas milionárias e de
prêmios milionários têm sido comuns também em outros esportes e em outros
países, e parece que eliminar os fatores negativos das apostas é uma coisa
impensável, pois o homem é um animal predatório que sempre elegeu a corrupção,
em suas diversas dimensões, como uma forma de alcançar os seus objetivos.
É necessário, porém, neste momento em
que se cogita a reabertura dos cassinos e a liberação dos jogos em todo o
território nacional, que alguma fiscalização venha ser exercida para coibir as
ilegalidades. E que a Rede Globo de Televisão repense o formato do seu game
para evitar danos maiores à credibilidade do futebol no Brasil.
(Artigo publicado no caderno de Esportes do
jornal O Imparcial de 01/07/2017)
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