terça-feira, 4 de julho de 2017





A ALIENAÇÃO DA MÚSICA BRASILEIRA

(Artigo escrito para o site https:www.mhariolincolndobrasil.com. e publicado na edição de 24/06/2017. Este site é uma publicação da Academia Poética Brasileira)

A mudança dos conceitos de arte sempre foi um objeto de intensa discussão acadêmica.
Ela é responsável pelo aparecimento de novas tendências e pela criação de novas escolas, embora possa, como fonte de experimentos, ocasionar problemas de qualidade.
A história mostra que os conservadores sempre se mantiveram de sobreaviso contra mudanças consideradas agressivas, e que os vanguardistas sempre buscaram impor as suas ideias de renovação.
A renovação bem-sucedida, no entanto, não nasce simplesmente do nada, pois mesmo nas novidades mais extremadas cada nova tendência é baseada em elementos já existentes na velha escola.
Esta mudança é dinâmica, e vale para todas as artes.
O que vale também para todas as artes são as conceituações sobre a sua qualidade (ou falta de) e a velha e discutível máxima de que “gosto não se discute”.
As mudanças na forma de expressar a arte se processam de forma cíclica e inevitável, mas a história costuma fazer uma devida depuração, de modo que o próprio tempo se encarrega de mandar para a lixeira muitas tentativas de conspurcação a fim de reestabelecer uma mínima qualidade artística.
Infelizmente com a música – estou falando da música brasileira – não é isso o que está acontecendo. Parece que depuração está ficando mais lenta.
O grande culpado por esta queda de qualidade é o aumento do consumo – leia-se dinheiro envolvido – por conta da febre mercantilista que leva produtores de shows, programadores de rádio e músicos ávidos pelo sucesso fácil, a investirem maciçamente neste segmento, que é produzido especialmente para que muita gente ganhe fortunas com isso.
Há que se entender, antes de mais nada, que a verdadeira música pode ser expressa apenas pela melodia, pela harmonia e pelo andamento, ou seja, ritmo e letra são meros complementos de beleza.
O sucesso popular, porém, vem via de regra quando a percussão assume um volume insuportável e quando a letra contém apenas grunhidos, exclamações, gritos e obscenidades.
A deterioração da música brasileira começou nos anos 1990 e a cada década vai se acentuando, num verdadeiro atentado contra a produção celestial de Jobim, Chico, Caetano, Caymmi, Gil, Djavan e João Bosco, apenas para citarmos alguns.
A eletrônica e a computação prestaram um grande auxílio à qualidade sonora e às facilidades para gravação, mas os técnicos e produtores exacerbaram e deram a estes recursos um valor acima do necessário.
Por outro lado, a dança popular e a manifestação do público durante a realização de shows há muito deixaram de ser coisa de gente civilizada, e as grandes festas são apenas mais um motivo para a galera se enturmar e ouvir música em volume ensurdecedor, não importa o tipo de música que estiver tocando. Ensandecidos pelo emburrecimento, pelo álcool e pelas drogas o público está ficando com a mente embotada de tanto ouvir coisa ruim.
Felizmente, como as grandes orquestras sinfônicas, o jazz convencional, a música popular autêntica e a preservação do folclore tradicional teimam em continuar existindo, existe também a tênue esperança de dias melhores para aqueles que ainda lutam, mesmo que aparentemente seja contra moinhos de vento.
Eu, por exemplo, quando faço minhas tertúlias musicais jazzistas e bossanovistas sempre incluo no repertório standards americanos como Autumn Leaves, Night and Day, The Lady is a Tramp ou Unforgettable, e alguns sambas-canções da época de Dolores Duran, Dick Farney ou Johnny Alf. O resultado tem sido compensador, pois além de satisfazer o ouvinte exigente estou conseguindo recuperar alguns doentes.

Ah, eu também gosto do velho e bom rock and roll, com seu volume alto, e sua informalidade organizada, levada no balanço distorcido do rhythm & blues, mas este é um outro assunto, objeto de um outro artigo.          

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