O CINEMA
(Conto
publicado no livro “O Fantasma da FM” em 1992. Vale observar que a situação, a
terminologia e os filmes mencionados retratam uma ida ao cinema trinta e cinco
anos atrás.)
(Parte 1)
Primeiro a expectativa.
Consultamos o jornal à procura do melhor
filme – aqui tem um candidato a sete Oscares, ali um premiado em Cannes,
alhures um grande sucesso em mil novecentos e setenta e dois, algures uma
comédia picante imprópria para menores de dezesseis anos e mais além um
“science-fiction” à Spielberg cheio de infantilidades adultas.
Ainda sem decidir qual desses iremos
assistir, nos preparamos psicologicamente para rir com Woody Allen, para chorar
com Kraker vs Kramer, para liberar nossa adrenalina com Stallone ou para nos
apaixonar perdidamente por Isabelle Adjani.
Lavamos a cara depois da barba feita,
aplicamos uma demão de lanolina, colocamos uma camisa decente após o banho
tomado, apanhamos o carro que descansa sossegadamente na garagem e partimos
para a grande aventura. Aquele filme de setenta e dois parece ser uma boa
escolha.
Aí começam os problemas. O primeiro
deles é o estacionamento. Num raio de trezentos metros do cinema não há espaço
nem para uma bicicleta, então o jeito é parar lá embaixo, próximo do outro
cinema que exibe um filme que decidimos não ver, e caminhar a pé, preocupado
com o segundo problema.
O segundo problema é a
segurança – a nossa e a do carro. Erguemos uma prece[A1] [A2] para o Altíssimo a fim de que
consigamos caminhar os seiscentos metros ida-e-volta sem sermos importunados
por algum meliante – “isto é um assalto!” – principalmente no término da
sessão, quando já será noite alta. Fazemos um cálculo mental do valor do
reembolso do seguro após o carro ter sido roubado, depenado e transformado em
“buggy”, mas estes pensamentos macabros são interrompidos pelo terceiro
problema.
O terceiro problema é a
fila para comprar o ingresso, que rodopia lentamente cheia de pernas como uma
centopeia, e depois do ingresso comprado a fila para ingressar no saguão e
ficar aguardando a sessão terminar para finalmente adentrar a sala de projeção olhando
para alguns cartazes dependurados aqui e ali anunciando os futuros sucessos de
bilheteria.
A sessão termina e
imediatamente começa o quarto problema, a busca do lugar ideal. De acordo com a
Teoria das Probabilidades, na minha frente deverá se sentar um cidadão alto e
de topete. Então, mudo para duas poltronas à direita e me vem o temor que na
minha frente venha a se sentar um camarada irrequieto que se move o tempo todo,
me obrigando a balançar feito pêndulo de relógio de parede.
SEGUE
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