O AVIÃO
Conto publicado no livro “O Fantasma da
FM” em 1992.
(Parte 1)
O saguão do aeroporto parece um
formigueiro.
Pessoas fervilham empurrando carrinhos
com malas e volumes, uns vão e outros vêm, alguns fumam impacientemente e
consultam o relógio, outros se detém, nas livrarias e alguns relaxam lendo o
jornal do dia acomodados nas poltronas e arriscando uma olhada para o painel
eletrônico que informa detalhes dos voos.
“Atenção, senhores passageiros que se
destinam a Porto Alegre com escalas em São Paulo e Curitiba, queiram se dirigir
para embarque pelo portão quatro e boa viagem”.
Lá vamos nós, como bois para o
matadouro, o mesmo olhar distante, a mesma expressão inquieta. Não somos
revistados como na entrada de um estádio de futebol, nem nossas bagagens são
perscrutadas à procura de uma bazuca ou uma bomba atômica que possa levar o
pânico à tripulação e aos passageiros.
Enfileirados, contemplamos a nave, um
grande pássaro prateado com seu prefixo e a logomarca da companhia aérea, o
comissário de bordo recolhendo os cartões de embarque e a aeromoça nos sorrindo
aquele sorriso Kolynos de Miss Brasil.
Procuramos o melhor lugar junto ao
corredor para poder esticar a perna mesmo com o risco de sermos atropelados
pela carrinho de bebidas, somos amassados pela bagagem de mão do cavalheiro da
poltrona do meio e observados pela senhora já meio passada que se ajeita junto
à janela, apertamos o cinto e olhamos a expressão de expectativa dos nossos
circunstantes – nem o lançamento as Colúmbia gerou tanta comoção - e num repente o paquiderme de asas começa a
se movimentar pela pista, o ruído aumenta, a potência aumenta, e lá vai ele,
alçando voo como um condor, o bico altivo e o olhar severo.
Começa enfim a grande aventura.
Enquanto a nave empina os passageiros parecem
estar rezando, olhando para o teto ou para o vazio através das
janelas-escotilhas.
Houve um tempo em que o lugar que mais
se rezava e alevantava o pensamento ao Todo-Poderoso eram as naves das igrejas,
deixando em segundo plano as naves aéreas propriamente ditas. Hoje, com a
escassez de fieis, com o cisma entre os religiosos progressistas e os
conservadores, com o desencanto dos pragmáticos e com a censura dos
intelectuais, o quadro está revertendo e já se reza mais dentro dos aviões do
que diante dos altares.
Os aeroportos estão lotados e as igrejas
estão ficando vazias.
Espichando o olhar para o jornal do
companheiro da poltrona do meio, que teima em enfiar o cotovelo esquerdo no meu
espaço vital, leio em letras garrafais que a explosão de um Boeing nas
redondezas das Ilhas Figi causou a morte de duzentas e cinquenta pessoas e que
um avião cargueiro que saíra de Nova Deli com destino a Frankfurt desapareceu
misteriosamente sem deixar qualquer vestígio (suspeita-se que tenha sido obra
de um objeto voador não identificado, mas os videntes ocidentais descartam essa
possibilidade e acreditam mais em uma ação terrorista de muçulmanos xiitas,
estes sim sempre dispostos a promover uma encrenca contra quem professa ideias
diferentes das suas).
Vem o carrinho de bebidas bem a tempo de
eu recolher meu pé, e junto com o carrinho o sorriso de outra aeromoça, esta
mais aérea e bem mais moça, que nos oferece um sanduiche envelopado com gosto
de raticida e dois bolinhos de carne cuja missa de sétimo dia do boi que lhe deu
origem foi celebrada três anos atrás. Acompanha um adocicado suco de caju de
garrafa economicamente colocado dentro de um copo do tamanho de uma xícara de
café.
SEGUE
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