A JUSTA ENTRE O ZÉ DA
ROSINHA E O MAL-AFAMADO AGOSTINHO
(Conto premiado em 1º lugar no XXIII
Concurso Literário Cidade de São Luís, em 1997, e depois publicado no livro “À
Noite, Todos os Gatos”, em 1998)
(Parte 1)
O Nordeste é pródigo em cantadores e contadores.
Cantadores do agreste, com a viola de
cordas de metal, a história e as histórias se propagando de geração em geração,
de cantador em cantador, quer na beira da fogueira quando da caçada árida e sem
urzes, quer na mesa da quitanda ao lado da cangibrina ardida e do tabaco
picado, quer na praça do mercado entre frutas e peixes que exalam a
graveolência acre do fim das feiras.
Já os contadores são uma espécie de
cantadores sem viola e sem rima, dissecando num dedinho de prosa situações
inteiras, cômicas ou patéticas, picantes ou constrangedoras, fazendo chegar aos
ouvidos do escutante fatos narrados e fantasiados com entonações precisas e
criando um clima apropriado para o grande final, dai mostrando orgulhoso a sua
porção artista, fazendo vênia às gargalhadas dos ouvintes com a expressão
peralta nos olhos.
Um exemplo de bom contador é meu amigo
João Rodrigues Casemiro, mais conhecido como João Lito dado o seu profundo
envolvimento com litografia, rotogravura e outras habilidades gráficas.
Foi de João Lito que eu ouvi a história
do cantador Zé da Rosinha e do ladrão Agostinho, e é baseado nela que eu
transformo o contador em prosador sem receio de estar plagiando uma obra, pois
em sendo apenas uma espécie de contador de um contador eu me considero simplesmente
um recontador.
Então, vamos à história.
-0-
Quem não conhece Catolé do Mato, com
seus três mil e tantos habitantes, encravado por detrás da Serra dos
Maturrangos, deveria conhecer.
A cidade, que se insinua entre um
presépio de mesa e um cenário de novela, é um verdadeiro achado numa região
perdida, a algumas horas de cavalgada até uma cidade de porte médio.
Ela não tem um bar de encontros, uma
igreja para missas, uma praça com bancos de madeira, uma delegacia de delegado
e cabo, um coronel de terras e um coronel de gentes. Ela tem o bar, a igreja, a
praça, a delegacia, o coronel açambarcador de glebas e o coronel primo terceiro
do ex-futuro prefeito e atual vereador, tudo assim no singular.
Isso torna a vida muito mais fácil,
primeiro porque não é preciso a gente escolher nada, o que você precisar já
está pronto ou você encomenda, qual salgadinho de festa – aqueles que dão azia
no mesmo dia – e depois não é necessário inovar, pois tudo pode seguir o mesmo
ritual e a mesma rotina, livrando a cara e o coração do estresse e da
competitividade da vida da cidade grande tão nociva às artérias e às vênulas,
às narinas e aos pulmões.
Afinal, lá existem Celestino, o dono do
bar, o pároco Heráclio, mais conhecido como “o Rolho”, seu Petrônio, patrono e
patrimônio da praça onde ocupa o seu banco cativo e lê sentado diariamente o
jornal de antes de ontem que chegou esta manhã da capital, Lupércio, o cabo, e
o delegado Vicente, que além de delegado faz as vezes de juiz de pequenas
causas, o Coronel Prudentino, proprietário permanente da justiça eleitoral e
também o Coronel Pelópidas, dono da Fazenda Termópilas, que ao contrário do que
se pode pensar não fica num desfiladeiro, mas numa planície achatada como a sua
cabeça.
Existem também, e se não existissem
deveriam existir por força o chaveiro Chaves, Leite, o leiteiro, Antenor, o
instalador de antenas, Carneiro, o açougueiro, Pinto, o pintor de paredes,
Aguiar, o motorista, de praça, Mário, do armarinho, Porto, o porteiro da
escola, Inácio, o obstetra, o barbeiro Barbosa, o contador de anedotas Hilário,
o marceneiro Márcio, o coveiro Covas e last
but not least, Pedro, o pedreiro
– todos catolenses de primeira água e participantes involuntários desta
história.
A vida sonolenta e pacata da cidade só
era tumultuada pelas festas do mês de junho e pela repetidora da Globo que
teimava em derramar como se fosse ficção os absurdos e as desgraça do mundo
distante, as inacreditáveis façanhas da civilização exacerbada pela intriga,
pelo ódio e pelo crime, pelo desequilíbrio, pela insegurança e, desculpem a má
palavra, pela improbidade.
Por isso é que você deveria conhecer
Catolé do Mato com seus três mil e tantos habitantes, o Shangri-lá do sertão,
onde a simplicidade abunda.
SEGUE
Nenhum comentário:
Postar um comentário